Na região de bares de Beirute, centenas de jovens libaneses, de vassoura em mãos, retiram os escombros após as explosões que devastaram a cidade, sem esperar por uma operação de limpeza do governo, o qual consideram incompetente.

“Que Estado?”, questiona Melissa Fadlala, uma voluntária mobilizada na rua Mar Mikhael, famosa por seus bares e restaurantes, não muito longe do porto da capital libanesa.

Neste bairro de prédios antigos, fachadas e vitrines foram pelos ares na terça-feira, depois de duas grandes explosões causadas por 2.750 toneladas de nitrato de amônio estocadas em um armazém, segundo as autoridades.

Há décadas, os libaneses estão acostumados com a ineficiência dos serviços públicos, com cortes diários de energia e com a má gestão de resíduos. Desta vez, também decidiram não esperar pela ação do Estado. Lançaram operações de limpeza e de retirada dos detritos, em um grande movimento de solidariedade após uma noite que traumatizou a população.

Usando luvas de borracha e uma máscara, Fadlala joga um pedaço de vidro do tamanho de seu braço na porta do prédio administrativo da empresa estatal de eletricidade.

“Para mim, este Estado é um depósito de lixo – e, em nome das vítimas (do porto), o depósito de lixo que as matou continuará sendo um depósito de lixo”, revolta-se essa mulher de 42 anos.

As explosões mataram pelo menos 137 pessoas e feriram mais de 5.000, aumentando a raiva dos libaneses que desde outubro de 2019 multiplicaram seus protestos contra políticos acusados de corrupção e de incompetência.

– ‘Onde estão os políticos?’ –

“Estamos há nove meses tentando consertar este país”, diz Fadlala. “Se tivéssemos um Estado de verdade, ele estaria nas ruas desde ontem, limpando”, protesta.

“Onde estão?”, questiona ela.

Em frente a edifícios semidestruídos, dezenas de jovens voluntários recolhem vidro quebrado e arrastam grandes sacos de plásticos cheios de entulho.

Outros sobem escadas cheias de escombros para bater nas portas e se oferecem para abrigar libaneses, cujas casas se tornaram inabitáveis.

“Temos pessoas que vão oferecer ajuda a idosos e deficientes para encontrar um lugar para passar a noite”, relata um dos voluntários, Hosam Abu Nasr, de 30 anos.

“Não temos um Estado para tomar essas medidas, então nos encarregamos da situação”, explica.

Em poucas horas, instalaram mesas de plástico, com garrafas de água, sanduíches e lanches.

“Não posso ajudar carregando as coisas, então, trouxemos comida, chocolate e apoio moral”, diz Rita Ferzle, de 26 anos.

“Todo mundo deveria estar aqui ajudando, principalmente os jovens”, diz ela. “Ninguém deve ficar em casa”, insiste.

Várias cidades do país se ofereceram para acolher as famílias que ficaram sem teto. O Patriarcado Católico Maronita anunciou que abrirá mosteiros e escolas religiosas.

– ‘Não suportamos mais’ –

Nas mídias sociais, várias marcas e comerciantes oferecem seus serviços gratuitamente para reparar portas, pintar paredes, ou substituir o vidro das janelas.

Abdo Amer, um fabricante de janelas, cortou seus preços pela metade e, para algumas famílias, concorda em trabalhar de graça, dada a magnitude da devastação e da crise econômica pela qual o país está passando.

“Recebi mais de 7.000 ligações em um dia, não consigo acompanhar”, diz ele.

O que você espera das autoridades? “Nada, absolutamente nada”.

“Você acha que o Estado vai assumir o trabalho?”, questiona, com ironia.

A indignação é ainda maior, porque o carregamento de nitrato de amônio – substância usada na composição de alguns fertilizantes, mas também explosivos – está no porto há seis anos, “sem medidas de precaução”, como reconheceu o primeiro-ministro.

“Eles estão sentados em suas cadeiras com ar-condicionado, enquanto as pessoas estão exaustas nas ruas”, protesta Mohamed Suyur, de 30, com uma vassoura nas mãos.

“Este país e seus habitantes são a última coisa que importa para eles”, acrescenta, afirmando que os ativistas já se preparam para retomar os protestos.

“Não aguentamos mais. Chega. Todo o sistema deve cair. Não deve ficar um”, indigna-se.