Percebemos que estamos envelhecendo quando falamos dos anos 1980 e 1990 como se fossem ontem. A excelente banda mineira Skank é um exemplo. A rapaziada, hoje na faixa dos “enta”, ainda em plena forma física e musical, diga-se, faz parte da minha geração: os tiozões (sorry, Henrique e companhia!!).

Uma das músicas que mais gosto chama-se “Indignação”. Samuel Rosa e Chico Amaral acertaram na mosca! O trecho “a nossa indignação é uma mosca sem asas; não ultrapassa as janelas de nossas casas” é de uma precisão ímpar. Nua e crua. E triste. Muito triste. A cada grande tragédia nacional, ela nos lembra o país de “zerda” que somos.

Quando o garoto João Hélio, com apenas seis aninhos de vida, morreu em 2007 após ser arrastado por quilômetros, preso ao cinto de segurança do carro em que estava e que fora roubado, o Brasil “parou” chocado, sentido, atordoado… indignado. Dessa vez, acreditávamos, tudo iria mudar. Não era mais possível suportar tanta violência.

Quatro anos antes, em 2003, um caso já havia despertado a mesma indignação nacional. Um casal de jovens fora violentado e morto por um menor de idade, apelidado de Champinha. À época, tamanhas violência e crueldade trouxeram à tona o debate sobre punição ao que hoje se chama “adolescente em conflito com a lei”. Menor infrator é politicamente incorreto.

Em 2015, numa manhã de novembro, o Brasil assistiu – indignado! – a uma barragem romper em Mariana, Minas Gerais, causando o maior desastre ambiental do País. Dezenas de mortos, centenas de feridos, milhares de desabrigados. Apesar de superlativo, nada de muito diferente do que ocorre todos os anos, nas encostas povoadas, durante as chuvas de verão.

Quatro anos depois, em 2019, uma tragédia ainda maior, também com uma barragem, com a mesma empresa e no mesmo Estado, mas com um número ainda mais assustador de mortos e desaparecidos. O Brasil, indignado como sempre, prometia não admitir, não aceitar mais esse tipo de catástrofe. Tsc, tsc, tsc. Soa como um disco arranhado de 2015.

Se meu tempo não fosse curto, este espaço limitado e sua paciência, leitor(a) amigo(a), escassa, eu poderia trazer mais uma penca de “causos” tristes que indignaram (será?) os brasileiros. Casos de corrupção, então, nem é bom começar. Você está indignado(a) com os superfaturamentos durante essa maldita pandemia de coronavírus? Bobinho(a)…

Pois saiba que tal prática é recorrente no Brasil, há décadas. Pouco importa a tragédia da ocasião. Pode ser superfaturamento de carro-pipa no sertão nordestino; de remédio para dengue no Rio de Janeiro; de merenda escolar no interior de São Paulo; ou de material de construção para os desabrigados pelas tempestades em Santa Catarina.

A “nossa indignação” da vez é com o caso da garotinha de dez anos, estuprada pelo tio desde os seis, que engravidou e foi submetida a um aborto. Indignação pela violência e pelo comportamento selvagem de vagabundos imorais que tentaram impedir o procedimento médico, autorizado pela Justiça. E não é para se indignar? É. Mas…

“A nossa indignação é uma mosca sem asas; não ultrapassa as janelas de nossas casas”.

Por falar nisso, quem é mesmo que está indignado com as mais de cem mil mortes pela Covid-19?

Viu? Eu não disse? Ou melhor, o Skank não disse?

“Eu fiquei indignado. Ele ficou indignado. A massa indignada. Duro de tão indignado.”