Indígenas chilenos querem criar nação Mapuche

Indígenas chilenos querem criar nação Mapuche

Duas décadas de luta fizeram com que erguesse sua casa em terrenos que eram da companhia florestal no sul do Chile: Ramón Llanquileo defende o combate frontal do povo mapuche para conseguir a restituição de suas terras ancestrais.

Nesses terrenos “recuperados”, Llanquileo, um dos líderes da Coordenadora Arauco Malleco (CAM), e sua esposa, Cecilia Pine, pais de dois filhos, cultivam batatas, milho e feijão, além de criarem galinhas e porcos tal como faziam seus antepassados.

Há seis meses, com madeiras extraídas de florestas até pouco tempo nas mãos de empresas, Ramón ergueu uma pequena casa em terrenos nos quais a CAM exerce seu controle depois de desalojar a poderosa florestal Mininco, no interior de Cañete, 600 quilômetros ao sul de Santiago.

“Nossa estadia aqui obedece precisamente ao plano de fazer retroceder as empresas florestais pouco a pouco” do território mapuche, disse à AFP Llanquileo, que perdeu um olho em um confronto.

Para chegar a esse lugar, que parecia abandonado pela Mininco, que não respondeu às consultas da AFP, é necessário pegar um sinuoso caminho de terra que tem como fundo a cordilheira de Nahuelbuta, com notórios espaços desmatados por anos de exploração madeireira.

Antes dos conquistadores espanhóis se estabelecerem no Chile em 1541, os mapuches eram donos das terras desde o rio Biobío até cerca de 500 quilômetros mais ao sul.

Durante a colonização, esta “fronteira” persistiu, até que o território foi ocupado pelo Exército chileno em uma campanha militar que começou em 1861 e durou duas décadas.

Os mapuches, após sucessivos processos, foram reduzidos a viver em cerca de 5% de seus antigos domínios.

Agrupados em pequenas comunidades e divididos, sem espaço para plantar ou criar animais, a maioria teve que renunciar ao seu meio de subsistência tradicional e migrar para as cidades.

– Seis anos de prisão –

Para a CAM, a subsistência como a de Llanquileo representa uma das maiores conquistas em duas décadas de luta para reconstituir a “Nação Mapuche” nas regiões chilenas de La Araucanía, Biobío e Los Ríos.

Nessa zona foram assentadas milhares de famílias alemãs a partir da segunda metade do século XIX, convidadas pelo Estado chileno para explorar um imenso território quase despovoado.

Com cerca de 150 membros, a CAM denuncia a repressão pelas forças policiais com a aplicação da severa “Lei Antiterrorista”, que data da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e pela qual organismos internacionais condenaram o Chile.

Llanquileo e Héctor Llaitul, líder histórico da CAM, passaram seis anos na prisão depois de serem condenados em 2008 pelo ataque a um fiscal e pelo roubo de madeira, acusações que os dois negam.

– Ataques a imóveis e caminhões –

Para sindicatos empresariais da zona, os dois lideram uma organização que semeou o terror, obrigando a mobilização de 3.000 policiais, com ataques a imóveis da indústria florestal e caminhões que transportam madeira, assim como agricultores não mapuches.

“Nós, como transportadores, entendemos as demandas do povo mapuche, mas não estamos de acordo com a forma como eles estão tentando visibilizar essa situação”, se queixa Alejo Apraiz, presidente dos caminhoneiros de La Araucanía.

O governo de Michelle Bachelet destaca que ao final de seu mandato terá restituído quase 66 mil hectares de terras fiscais a comunidades indígenas.

– Caminhos distintos, mesmo objetivo –

Mas nem todos os mapuches optaram pelas ocupações forçadas. Chamadas de “institucionais”, algumas comunidades negociaram com o Estado.

Temulemu, em Traiguén, assinou em 2011 junto com outras duas comunidades um acordo para recuperar 2.500 hectares também da Mininco, acabando com 15 anos de disputas marcadas por um violento desalojamento em 1998 e pela prisão durante cinco anos por terrorismo do ‘lonko’, o líder da comunidade, Pascual Pichún.

O caso levou a Corte Interamericana de Direitos Humanos a condenar o Estado chileno.

“Cada comunidade é livre e autônoma para tomar sua própria decisão de como avançar mais rápido”, disse o atual lonko de Temulemu, Juan Pichún, à AFP sobre terrenos que rebrotam seis anos depois de serem recuperados.

“Nós mudamos a vida aos poucos. Já não dependemos muito de ir à cidade comprar os alimentos. Aqui mesmo estão voltando a produzir os alimentos que são naturais. E isso permite melhorar a saúde de nossos habitantes”, acrescenta.

Em Temulemu também lutam para recuperar a cultura ancestral.

Nesta comunidade, 22 crianças estudam em uma escola intercultural onde aprendem as formas de vida de seus ancestrais, enquanto um programa oficial fomenta o uso das ervas com as quais seus antepassados curavam doenças.

Os mapuches são quase 7% da população chilena, com níveis de pobreza acima dos outros habitantes.

– O Papa, mediador? –

Sem canais de negociação abertos, aguardam a visita do papa Francisco, em janeiro, que buscará aproximar posições em um conflito que persistirá sob o governo que vencer no segundo turno de domingo, entre os candidatos de direita, Sebastián Piñera, e de esquerda, Alejandro Guillier.

“Não esperamos grandes coisas nem do Papa, nem de outra pessoa. Aqui as transformações concretas serão feitas por nós com o nosso esforço”, sentencia Llanquileo.