Indicações recentes mostram interesse em ‘acesso permanente’ ao STF, diz pesquisador

Jorge Messias, favorito à vaga de Barroso, é nome de confiança do presidente Lula; indicações de Temer e Bolsonaro também tiveram este perfil

O presidente Lula (PT) ao lado de Jorge Messias, o evangélico ministro da AGU | Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
O presidente Lula (PT) ao lado de Jorge Messias, ministro-chefe da AGU | Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Ao longo dos últimos anos, a responsabilidade de indicar ministros ao STF (Supremo Tribunal Federal) têm se tornado um instrumento político dos presidentes da República para garantir um canal de “acesso permanente” à corte, que se mantenha mesmo após o encerramento de seus mandatos.

Essa é a avaliação de Rubens Glezer, professor e coordenador do grupo de pesquisa Supremo em Pauta, da FGV Direito (Fundação Getulio Vargas), a respeito do favoritismo do advogado-geral da União, Jorge Messias, a ser ungido pelo presidente Lula (PT) à vaga que se abriu no tribunal com a aposentadoria antecipada de Luís Roberto Barroso.

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Em seu terceiro e atual mandato, o petista escolheu Cristiano Zanin, seu advogado pessoal nos processos da Operação Lava Jato, e Flávio Dino, seu ministro da Justiça e aliado nos oito anos como governador do Maranhão, para ocuparem as cadeiras deixadas por Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.

Antes de Lula, Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) também levaram nomes alinhados a suas ideias ou da estrita confiança (Alexandre de Moraes, Kassio Nunes Marques e André Mendonça) à cúpula do Judiciário — sempre após a aprovação do Senado, a quem cabe rejeitar ou avalizar a escolha.

Há registros desse tipo de indicação durante toda a história do Supremo, mas se tornou mais frequente após os julgamentos que envolveram o Mensalão, a Lava Jato e, mais recentemente, a tentativa de golpe de Estado ocorrida após as eleições de 2022, de acordo com o professor da FGV. “Os presidentes começaram a exigir pessoas com quem possam manter diálogo“, afirmou.

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IstoÉ Nos dois mandatos anteriores, Lula escolheu para o STF nomes consensuais pela carreira no mundo jurídico, de um modo geral; no atual, já considerando os favoritos para a vaga de Barroso, os critérios parecem ser lealdade e proximidade política. Ao que o senhor atribui essa mudança?

Rubens Glezer Há uma diferença grande entre esses períodos, que é o julgamento do Mensalão [escândalo de corrupção que levou integrantes da gestão petista, como o ex-ministro José Dirceu, à cadeira]. Até aquele momento, as indicações eram baseadas sobretudo em escolhas do ministro da Justiça.

Havia uma campanha dentro da comunidade jurídica, mas em proporções normais, sem debate público ou político relevante, porque a expectativa que se tinha sobre o que um ministro do Supremo poderia fazer no cargo era razoavelmente estável.

IstoÉ Além do Mensalão, há um papel da Lava Jato nessa transformação, considerando que um aval dado pelo STF levou Lula à prisão após ser condenado na operação?

Rubens Glezer Sem dúvida, o Mensalão e a Lava Jato mudaram o cenário radicalmente. Esses dois julgamentos, somados ao da tentativa de golpe [que condenou Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos e três meses de prisão], criaram a percepção do STF como um ambiente de punição da classe política.

Em reação, o Senado passou a exercer um papel de disputa pelas indicações. Tanto os parlamentares quanto os presidentes começaram a exigir [na corte] pessoas com quem possam manter diálogo. Essa transformação colocou no tribunal, do governo Temer para cá, magistrados com perfil mais claro de habilidade para a política.

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IstoÉ Como o senhor mencionou, os últimos três governos [Temer, Bolsonaro e Lula] têm indicações marcadas pela proximidade com o Executivo. Há comparações possíveis entre as escolhas dos mandatários, considerando os favoritos atuais?

Rubens Glezer Uma eventual confirmação da indicação de Messias é absolutamente semelhante à escolha de André Mendonça [indicado por Bolsonaro em 2021]. E indica que, ao final, independentemente da ideologia do mandatário, as indicações ao STF têm sido predominadas por uma preocupação pragmática.

Há um esforço para tentar deixar uma espécie de ‘legado’ no Supremo que perdure após a conclusão do mandato presidencial. Uma garantia de acesso permanente ao tribunal.

IstoÉ Este mesmo período também reduziu a idade média dos ministros, com cinco das seis escolhas — considerando os prováveis substitutos de Barroso — de pessoas com menos de 50 anos e, portanto, mais de 25 anos de mandato até a aposentadoria compulsória. Como o senhor avalia esse rejuvenescimento?

Rubens Glezer É um mau sinal. Um fator crucial para o bom desempenho no Supremo é uma biografia robusta, que se constrói com a passagem dos anos.

À exceção de trajetórias muito excepcionais, [somente] o tempo de carreira jurídica assegura a passagem por uma série de ambientes institucionais, contato amplo com agentes e grupos de interesse relevantes e outras credenciais que contribuem para formatar não apenas um currículo robusto e uma visão sofisticada do direito, mas algum nível de garantia de que o indicado terá “muito a perder” e não arriscará sua reputação nas decisões tomadas no cargo.

De um modo geral, as indicações de perfis mais jovens têm refletido um interesse conjuntural. É problemática essa conjunção de, ao mesmo tempo, idade média baixa e atuação quase integralmente construída no mundo político, e não no jurídico.