Ninguém gosta de perder dinheiro – muito menos quando ele está aplicado na caderneta de poupança, investimento que deveria ser o mais seguro do mercado. Pois foi isso o que ocorreu não apenas uma, mas quatro vezes com os brasileiros. Planos econômicos lançados para combater a inflação nas décadas de 1980 e 1990 resultaram em perdas expressivas para quem mantinha aplicações na poupança. Na semana passada, uma batalha jurídica que se arrasta há pelo menos 24 anos chegou perto de um desfecho feliz. Um acordo histórico intermediado pela Advocacia-Geral da União (AGU) com representantes de instituições financeiras e de consumidores foi selado para que R$ 10 bilhões voltem aos bolsos de quem foi lesado. Calcula-se que haja mais de um milhão de ações coletivas, além das que foram movidas individualmente. Embora tenham chegado a um consenso, representantes dos envolvidos se comprometeram a não divulgar detalhes dos termos finais do acordo, que ainda depende da homologação do Supremo Tribunal Federal (STF). O valor é apenas estimado, mas já foi admitido pelos representantes dos bancos. Antes, falava-se que as indenizações poderiam chega a R$ 300 bilhões, o que poderia quebrar o sistema financeiro.

“Só vamos divulgar os detalhes do acordo depois de assinado pelo STF” Grace Mendonça, Advogada-Geral da União

1989 – Plano Verão, de Maílson da Nóbrega: Congelou preços, extinguiu a OTN em janeiro e criou o Cruzado Novo. Poupança foi atualizada em fevereiro pela Letra Financeira do Tesouro (LFT). Terá direito poupanças com vencimento entre 1º e 15 de janeiro/1989 (Crédito:Tolga Tezcan )

A Advogada-Geral da União, Grace Mendonça, não confirma nem desmente a cifra de R$ 10 bilhões. “Só vamos divulgar os detalhes depois de assinado pelo STF”, diz Grace. Para ela, que há pouco mais de um ano vem mediando o caso, ter conseguido chegar a um acordo já pode ser considerado um ganho. A tramitação ganhou força depois que ministra Cármen Lúcia declarou que iria colocar o assunto para votação no Supremo. Era o que faltava para a negociação costurada pela AGU prosperar.

Opção

Assim que for homologado, os termos do acordo já passam a valer, beneficiando todos aqueles que tiveram cadernetas de poupança nos planos Bresser, Plano Verão, Collor I e II. Mesmo quem já possui ação individual tramitando na Justiça também poderá aderir ao acordo. “Nesse caso, o poupador terá de escolher: ou aceita os termos da decisão coletiva ou continua com a ação individual. Não se pode beneficiar a mesma pessoa duas vezes”, diz o advogado Willie Tavares, especialista em direito civil. Abrir mão do valor integral que pleiteiam na Justiça pode não ser uma decisão fácil para esses poupadores. Mas a adesão ao acordo significa receber pelo menos uma parte do que foi perdido sem ter de aguardar mais tempo na fila. Estima-se que as ações coletivas restituam apenas 60% do valor devido pelos bancos.

Ainda é impossível afirmar quantas pessoas serão diretamente beneficiadas. Em teoria, a decisão valerá para todos que conseguirem comprovar suas aplicações financeiras durante os períodos em que houve confisco. Ainda falta definir quais documentos o poupador deverá apresentar para comprovar seu direito à indenização, o prazo que ele terá para apresentar esses comprovantes e o cronograma do pagamento – que deverá ser feito em parcelas. Grace Mendonça espera que tudo seja resolvido rapidamente para que os pagamentos comecem a ser feitos já em dezembro.

1990 / 1991 – Collor I e II, de Zélia Cardoso de Melo: Confiscou valores acima de NCz$ 50 mil por 18 meses. Correção vale para poupanças com aniversário entre 1º e 15 de abril/1990. No Collor II, trocou o Bônus do Tesouro Nacional-Fiscal (BTN-F) pela Taxa Referencial (TRD). Poupanças de janeiro/1991 (Crédito:Tolga Tezcan )

Além de colocar um ponto final em mais de um milhão de processos, o acordo poderá beneficiar os poupadores, que finalmente poderão usufruir dos recursos que devem receber. Ajuda também as instituições financeiras, que poderão se programar para fazer os pagamentos – o que não ocorreria se elas fossem obrigadas a cumprir decisões judiciais isoladas. E, por fim, lucra a economia, que passará a contar com a circulação de bilhões de reais que poderão auxiliar o reaquecimento. Mas tudo isso ainda depende da aceitação do STF.

Uma batalha bilionária
Entenda o acordo fechado entre bancos e poupadores

O que é?
Ações coletivas que pedem o ressarcimento por perdas ocorridas nas cadernetas de poupança nos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990.

Em quais planos ocorreram as perdas?
Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991).

Qual o desfecho?
Instituições financeiras e representantes de clientes fecharam um acordo de indenização. O valor oficial ainda não foi revelado. Especula-se que seja em torno de R$ 10 bilhões. Para valer, acordo terá que ser homologado pelo STF. Previsão é início de dezembro.

Quem pode ter direito à indenização?
Todos aqueles que se encaixarem nos termos do acordo, ou seja, tiveram perdas nas suas aplicações. Para ter direito à indenização, os beneficiários terão que comprovar com documentos estabelecidos nos termos do acordo.

Quem ainda pode entrar?
Quem tem ação individual tramitando na Justiça poderá aderir ao acordo, desde que comprove o direito e desista da ação para se beneficiar da indenização.