Em meados de julho, o Congresso Nacional perpetrou uma das maiores indecências de nossa história, incluindo no registro os abomináveis casuísmos do período militar.


A pretexto de aliviar a fome dos mais pobres, a cem dias da eleição, e invocando um “estado de emergência”, figura que a Constituição desconhece, o Senado e a Câmara apropriaram-se de 41 bilhões de reais para ajudar a reeleger o Sr. Jair Bolsonaro. O problema não é o beneficiário ser o Bolsonaro; fosse ele ou qualquer outro, a indecência ficaria do mesmo tamanho.

Repare o leitor que os excelentíssimos senhores senadores e deputados deram um jeito de matar três coelhos com uma só cajadada: meteram a mão no dinheiro que todos pagamos com nossos impostos, atropelaram os prazos e procedimentos normais em qualquer votação e violaram as regras do jogo eleitoral. O “estado de emergência” entrou na história como a décima-terceira batida do relógio, aquela que desnuda a fraude embutida nas doze anteriores. Coube ao senador José Serra mostrar que um resto de seriedade ainda existe no Legislativo, quando exclamou: “Pois então, foi só agora que o Senado descobriu que tem gente passando fome no Brasil?”. Poderia ter acrescentado que, enquanto as cúpulas dos três Poderes se locupletam, pelo Brasil afora incontáveis famílias se alimentam com sopa de ossos e restos de comida catados no chão.

O problema é que nos acostumamos à impotência, a uma incapacidade que até parece congênita de enfrentar a mastodôntica máquina do nosso Estado patrimonial

Por que nós, cá na planície, somos assim? Por que engolimos desde pequenas rãs a enormes sapos sem esboçar um protesto? Será porque nossa tradição católica nos incutiu essa falta de vergonha? Essa pode ser uma parte do problema, mas o buraco é mais embaixo. O problema é que nos acostumamos à impotência, a uma incapacidade que até parece congênita de enfrentar a mastodôntica máquina do nosso Estado patrimonial. Isolados, sem organização, somos quantias infinitesimais, cada uma olhando para Brasília como grãos de areia olham para o céu. Os economistas têm um nome para isso, é o free-rider, ou caroneiro. Tome a iniciativa quem quiser, eu não farei isso porque, se der certo,
vou me beneficiar da mesma forma.

Dois mil e quinhentos anos atrás, os fundadores da República Romana agiram de um modo diferente. Algumas centenas deles se retiraram para uma das colinas, sabendo que tal comportamento poderia lhes custar caro, e juraram agir unidos em retaliação a qualquer violência que viessem a sofrer da parte dos poderosos. Foram mais longe: escolheram representantes, os “tribunos da plebe”, que seriam defendidos nos mesmos termos.