Impossível não se lembrar das passeatas estudantis que, em 1977, gritavam “Abaixo a ditadura” pelas ruas do centro de São Paulo. Saindo do Largo de São Francisco, era possível ouvir “O Bêbado e a Equilibrista” na voz de Elis Regina, o “hino da anistia” de Aldir Blanc e João Bosco, nas lojas de discos da rua Quintino Bocaiúva, a caminho da Praça da Sé ou da Liberdade. Da calma, já se sabia, podiam aparecer tropas de choque de qualquer lado, para dispersar os grupos que voavam para escapar de cassetadas, cachorros atiçados, cavalos empinados e gás lacrimogênio (“Passa cuspe no olho!”). Números de telefones escritos a caneta nos tênis: se alguém fosse preso, era só arrancá-los dos pés e jogá-los por cima das tropas para alguém. Era preciso avisar amigos, família. O medo, aterrorizante, de ir parar em alguma câmara de tortura simplesmente por se gritar contra a arbitrariedade, a violência e o terror, pela volta da democracia, era constante. Mas, na próxima, novamente se estava a postos.

Até se chegar às manifestações com gritos pelas “Diretas Já” era 1983, com manifestações gigantes na Sé e no Anhangabaú. Quem estava a trabalho também punha fé. Não adiantou. Votar mesmo, para presidente, ficou para 1989. Muita gente chorou emocionada nas tendas de panos pretos até o chão que isolavam eleitores e mesários nos cantos das salas de aula — cenário que alguns reivindicam de volta, como uma viagem à Idade Média (Idade Média Alta, para não dizer Idade Antiga ou Pré-História, como se mostram alguns momentos que passamos nos últimos anos). Na primeira eleição à Presidência no pós-ditadura, Fernando Collor foi escolhido para governar o País. Lamentavelmente fez o que se esperaria de um (fake) “caçador de marajás”.

Largo de São Francisco, quase meio século depois: a sociedade reage porque ainda é preciso ler uma nova Carta aos Brasileiros como resguardo ao Estado de Direito. Quem não sentiu o terror implantado pela ditadura em corações e mentes, sem qualquer justificativa, pode nem ter ideia do quanto é crucial a defesa da democracia.