O aumento nos custos de materiais de construção, a alta nas taxas de juros e o crescimento dos estoques de imóveis estão fazendo com que incorporadoras busquem alternativas de financiamento para reforçar o caixa e lidar com a possível desaceleração da economia brasileira.

Há um aumento na busca por emissões de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) lastreados em estoques de imóveis que já ficaram prontos ou estão próximos de serem concluídos – algo que não vinha sendo usual neste ciclo da construção -, segundo gestoras de recursos.

Esse tipo de operação deve ganhar corpo nos próximos meses e, principalmente, no ano que vem, à medida que avançam as obras após anos seguidos de lançamentos acima da média histórica do setor – e de crescimento dos estoques. A expectativa é de que 2023 figure entre os anos com maior número de obras entregues.

“O incorporador precisa de recurso para terminar a obra, e conta com unidades no estoque que ainda não vendeu. Então o CRI de estoque é uma forma de o incorporador se capitalizar sem ter que recorrer a financiamento no banco”, diz o presidente da Mérito Investimentos, Alexandre Despontin. A gestora já está trabalhando na análise de emissões nessa modalidade.

Os CRIs de estoques serão importantes para dar alívio financeiro às empresas na reta final de venda dos imóveis e também para evitar a necessidade de fazerem saldões com descontos para ganhar liquidez. Vale lembrar que, depois de prontos, os apartamentos passam a gerar custos de condomínio e manutenção às incorporadoras.

Desaceleração

As projeções são de crescimento menor da economia brasileira no ano que vem, e as taxas de juros do crédito para aquisição de moradias não devem cair tão cedo. Há, portanto, viés de desaceleração nas vendas de imóveis e algum risco de aumento nos distratos no radar.

O estoque total de imóveis residenciais novos (na planta, em obras e recém-construídos) no País aumentou 3,2% no segundo trimestre de 2022 em relação ao mesmo período de 2021, totalizando 245,6 mil unidades, segundo levantamento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).

Esse estoque levaria 9,9 meses para ser liquidado considerando os últimos 12 meses de vendas até junho. O indicador aumentou na comparação com o ano anterior, quando marcou 9,4 meses. Ainda assim, é mais baixo do que a média histórica do setor, que fica na faixa de 10 a 11 meses para escoamento total, conforme dados da CBIC.

Já em São Paulo, o crescimento do estoque foi mais agudo. A capital paulista encerrou julho com uma oferta de 64,2 mil unidades disponíveis para venda, uma expansão de 36,4% na comparação anual. No ritmo de vendas da cidade, seriam precisos em torno de 11 meses para escoar o estoque total.

A despeito disso, a emissão de CRIs de estoques está sendo interpretada como uma operação regular para o mercado na visão das gestoras, e não necessariamente como reflexo de uma pressão exacerbada sobre as empresas. “Nós ainda vemos o mercado comprador de imóveis. As vendas não pararam”, diz Danilo Ribeiro, sócio da Paramis Capital. “Não é coisa de empresa estressada. É uma operação normal.”

A Paramis já está trabalhando efetivamente numa emissão desse tipo, mas ainda não pode revelar qual é a incorporadora emissora. Ribeiro diz que esse tipo de instrumento de dívida deve ter prazo de aproximadamente quatro anos, e o valor deve ser equivalente à metade do valor de mercado dos imóveis.

Já a taxa de juros vai depender do balanço da companhia e da qualidade do estoque (tipo de planta, localização e estimativa de liquidez). “O mercado está falando em uma remuneração entre inflação mais 9% a 13% ao ano para incorporadoras não listadas de middle market (médio porte)”, explica Ribeiro.

O presidente da JPP Capital, Daniel Pinheiro, estima que as taxas nesse tipo de operação devem ficar na faixa de CDI mais 2% a 8%, dependendo do risco dos ativos e da companhia. “Esse tipo de crédito é uma porta de saída para as incorporadoras mais estocadas. Serve para alongar dívidas mais caras”, diz.

Nestas operações, o crédito concedido conta com o estoque de imóveis como garantia. E mais: a venda das unidades é usada prioritariamente para amortizar a dívida. Os maiores riscos são bem conhecidos, pois estão na atividade de incorporação em si, ou seja, envolvem possíveis atrasos na entrega da obra, dificuldade para obtenção do Habite-se ou encalhe do estoque numa eventual piora da economia.

As emissões de certificados de recebíveis imobiliários (considerando todos os tipos de lastros e garantias) já totalizaram R$ 28,6 bilhões nos primeiros oito meses de 2022, um salto de 57% em relação ao mesmo período de 2021, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). O avanço reflete o aumento do interesse de investidores pelo mercado de renda fixa após a subida da Selic.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.