A piora na projeção para a inflação, principalmente neste ano, mas também no próximo, é a principal responsável pela revisão para baixo nas estimativas de crescimento do Itaú para 2022, explicou Mário Mesquita, economista-chefe da instituição financeira e ex-diretor do Banco Central (BC). O economista não incorporou no cenário “grandes estresses pré-eleitorais”, mas observa que dúvidas a respeito do arcabouço fiscal brasileiro se traduzem em juros de mercado mais elevados. Leia trechos da entrevista.

Por que, ao revisar a projeção de crescimento econômico em 2022 para apenas 0,5%, o Itaú destacou o efeito da alta de juros?

A grande revisão que a gente fez foi de inflação (para cima). Por conta disso, tivemos que fazer uma revisão também do cenário de política monetária. Tínhamos os juros (a taxa básica Selic) terminando o ciclo (com altas até fevereiro de 2022) em 7,5% (ao ano, ante 5,25% ao ano, atualmente). Agora, temos 9%. Vemos também a economia mundial crescendo um pouco menos no ano que vem do que esperávamos antes. É uma ajuda menor que vamos receber da economia global. E, apesar do ruído todo sobre novos programas sociais, ainda achamos que o novo Bolsa Família vai ter um montante menor do que a soma hoje em dia do auxílio emergencial com o atual Bolsa Família. Então, vamos ter uma redução do impulso fiscal (efeito dos gastos públicos na atividade econômica) também.

Como o risco político-institucional, incluindo a possibilidade de eleições não serem reconhecidas, entra no cenário?

Não incorporamos grandes estresses pré-eleitorais no cenário, por ora, mas observamos que as dúvidas que existem a respeito do arcabouço fiscal brasileiro, mais especificamente do teto de gastos (regra que limita o gasto público federal de um ano ao mesmo valor do ano anterior, corrigido apenas pela inflação), acabam se traduzindo em juros de mercado mais elevados. Isso não é bom para a atividade econômica. Venham de onde vierem, dúvidas sobre o arcabouço fiscal brasileiro acabam afetando a atividade econômica, mesmo mais de um ano antes da eleição. A preocupação maior é muito mais com isso do que com o cenário eleitoral.

As incertezas sobre qual será a política econômica do próximo governo não atrapalham?

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Há muita incerteza sobre isso. Os pré-candidatos não estão entrando em detalhes sobre política econômica. Prefiro não me precipitar e já sair alterando projeções em função de fatores que estão ainda tão incertos.

A dúvida sobre isso não reduz o crescimento em 2022?

Incerteza em geral, não só associada à eleição, mas também a outros fatores, como a crise hídrica e o próprio ritmo da economia global, não ajuda projetos de investimentos, decisões de gastos mais vultosos. Ao longo do processo eleitoral, imagino que os vários candidatos vão apresentar suas prioridades, suas preferências em termos de política econômica. Então, a incerteza vai acabar sendo dirimida.

Como a crise hídrica entra no cenário?

A alta do preço de energia foi um dos fatores que levaram a elevar a projeção de inflação. Então, ela já está influenciando o nosso cenário. Não trabalhamos, no nosso cenário básico, com racionamento. Ainda achamos que é uma probabilidade limitada, de uns 10%. Se formos para uma redução obrigatória do consumo de energia, a experiência de 2001 sugere uma elasticidade de um para cinco. Então, cada ponto porcentual de redução obrigatória do consumo de energia tira 0,2% (de crescimento do PIB).

O sr. citou incertezas fiscais, mas o relatório de revisão das projeções menciona os gastos públicos como um fator a frear o crescimento econômico. Como um desequilíbrio maior das contas públicas poderia atrapalhar o crescimento?

A nossa fragilidade fiscal é relevante e faz com que aumentos de gastos fora do teto possam gerar tal reação nos preços de ativos, na curva de juros (com alta dos juros de mercado), que a demanda que você injeta (por meio da eventual elevação de gastos públicos) com uma mão o mercado retira com a outra. Aí, ficamos sem impacto relevante no PIB. Isso é algo que pode perfeitamente ocorrer num país com os problemas fiscais que o Brasil tem. No ano que vem, embora esperemos menos impulso do lado do gasto público, esperamos que a dívida pública volte a crescer. Isso reforça que temos uma fragilidade fiscal bastante relevante.

A alta do juro conseguirá baixar a inflação ano que vem?

Se o BC levar a taxa de juros para a 9%, a política monetária vai conseguir trazer a inflação para baixo. O câmbio não deve ser um fator de pressão adicional. Os preços de commodities internacionais (matérias-primas negociadas globalmente) também não deverão adicionar pressão. Não é visão consensual no mercado, mas vemos um processo inflacionário em que esses itens, que mais vêm pressionando a inflação deixariam de ser vilões e contribuiriam para a desinflação. São os preços de bens comercializáveis, até com a regularização de alguns gargalos de produção, que, independentemente da política monetária, (essas reduções) vão acabar acontecendo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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