Durante as primeiras décadas do Século XXI, a Verdade foi ameaçada como nunca ocorrera na História.

Digo Verdade assim, com V maiúsculo, que é a verdade real, única, platônica, ideal, sem margens à interpretações.

Parece impensável, principalmente para os mais jovens que já nasceram num mundo onde a informação é sempre 100% confiável.

Mas acreditem. A Verdade já foi um bem de difícil acesso, principalmente ali pela segunda década deste século.

Naquela época, onde a Verdade não tinha dono, quando as redes sociais engatinhavam, surgiram os primeiros deep fakes. Um tempo em que ninguém sabia discernir a informação real da falsa, a mentira era chamada de fake news.

Sem saber o que era mesmo Verdade, lentamente o planeta entrou em colapso.

Resultados de eleições foram fraudados e definidos por meio de uma realidade paralela que se aproveitava daquela falha do sistema, que permitia a difusão de falsidades.

O único futuro possível é o da ditadura da Verdade

Ditadura, golpe, fascismo passaram a ser acusações fáceis, diárias, vindas ou atingindo qualquer lado do espectro político.

Com o advento da inteligência artificial, aqueles que se preocupavam com a crise da Verdade ficaram ainda mais preocupados.

Munidos de uma ferramenta tão potente, quem quisesse poderia criar sua versão dos fatos de forma tão fidedigna que confundiria desde os mais sábios aos mais os ignorantes, esses últimos que, alias, formavam a imensa maioria do planeta e, paradoxalmente, acabavam por decidir o que era Verdade e o que não era.

Ocorre, que só chegamos até aqui, como civilização, porque existe um pêndulo invisível que equilibra um bem para cada mal.

Assim, no ano de 2028, a Microsoft, o Google e a OpenAI numa joint venture lançaram a primeira versão do Veritas, que hoje utilizamos diariamente, às vezes sem nem nos darmos conta, caso seja configurado o filtro ativo automático.

Como qualquer outro aplicativo, o Veritas é um algoritmo. Mas nesse caso, de extrema complexidade, plugado a uma rede neural cuja única intenção é filtrar, curar, separar fato de ficção.

Um oráculo que, no início, interpretava apenas texto, mas que hoje analisa e diagnostica imagens e vídeos, como todos sabem.

Um firewall que não barra, mais classifica toda informação que chega digitalmente até nós.

Recentemente, apesar de ter melhorado muito a qualidade da informação que recebemos e ter mudado a forma como nos comportamos, o Veritas vem recebendo críticas de gente que talvez não compreenda sua importância.

Há quem diga que o aplicativo censura opiniões.

Mas de que valem opiniões baseadas em mentiras?

Os mais primários acham que se trata de uma versão programática do Grande Irmão, que tudo vê e controla.

Bobagem.

O Veritas é uma ferramenta passiva. Apenas recebe informações ou questionamentos e responde “sim” para o que é verdadeiro ou “não” para o que é falso.

Maniqueísta como a Verdade deve ser.

Outros, mais metidos, dizem que o Veritas é a materialização do Leviatan de Hobbes.

Um ditador esclarecido, que impõe sua vontade.

Impõe, como?

A decisão final, de utilizar ou não a Verdade não é do aplicativo e sim de quem o instala ou consulta.

É certo que o fato do Veritas vir como default em todos os sistemas operacionais modernos pode até parecer uma decisão autoritária.

Mas só quem não viveu tempos onde a mentira imperava pode pensar que é possível dispensar a Verdade.

Isso tudo, essas críticas são apenas medo.

Somos programados para ter medo de tudo.

Medo de gente, medo de coisas, medo de mentiras e até medo da Verdade.

Pode confiar.

Mesmo porque, se esse texto chegou até você, foi graças ao Veritas.

Então é tudo Verdade.