A presença de Allan dos Santos em um evento evangélico nos EUA ao lado do ministro das Comunicações, Fábio Faria, representou mais um deboche do governo à Justiça e uma celebração da impunidade. Revela não apenas o apoio tácito a um foragido, mas desperta a suspeita de uma atuação nos bastidores para impedir que aliados sejam punidos, como no caso do blogueiro extremista

EMPODERADOS Fabrício Queiroz em foto ao lado do presidente. Victor Sorrentino (abaixo), que havia sido preso no Egito, também esteve na Flórida (Crédito:Divulgação)

Allan dos Santos foi alvo de uma ordem de prisão emitida pelo STF em outubro passado. Uma das pessoas mais próximas da família Bolsonaro, o blogueiro é alvo de dois inquéritos na Corte: o que investiga divulgação de fake news e ataques a integrantes do Judiciário, além daquele que apura a atuação de uma milícia digital que atenta contra a democracia e as instituições. Apesar disso, Santos continua à solta, mesmo depois de o STF ter mandado incluir o seu nome na lista vermelha da Interpol, onde figuram criminosos procurados pelo mundo. O que também não aconteceu até agora. E não por acaso.

Essa determinação, uma praxe entre pessoas procuradas no exterior, já tinha desencadeado uma série de demissões de delegados na Polícia Federal que estavam cuidando do processo de extradição e da inclusão do nome de Allan na base de dados da Interpol. Depois dessa crise, não se teve mais notícia sobre o avanço do processo envolvendo o blogueiro. ISTOÉ apurou que existe a possibilidade de que essa inclusão na lista vermelha não ocorra mais, o que representaria um desacato inédito a uma ordem judicial vinda da mais alta Corte do País. No STF, o ambiente é de total desconforto em razão de a prisão ainda não ter sido realizada, com o agravante de que o paradeiro de Allan dos Santos é conhecido.

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Delegados e especialistas ouvidos pela ISTOÉ sustentam que a paralisação do processo de extradição tem duas explicações possíveis. A primeira é que a documentação tenha ficado retida na chefia da Interpol do Brasil a pedido do diretor-geral da PF, Paulo Maiurino, aliado de primeira hora de Bolsonaro. A outra é que Maiurino tenha convencido dirigentes da Interpol em Lyon de que o mandado de prisão tinha motivações políticas, o que, pela regra, impediria de inseri-lo na relação de foragidos. O chefe da PF pode ter contado, inclusive, com a ajuda de delegados da PF que trabalham na sede da instituição na França e são indicados pelo próprio chefe da corporação. “Maiurino e o ministro da Justiça têm a máquina da cooperação internacional nas mãos”, disse um delegado que já chefiou a Interpol.

Interpol

O extremista deixou o Brasil em julho do ano passado após ter sido alvo de operações policiais. Ele chegou aos EUA com visto de turista vencido e trocou mensagens com Eduardo Bolsonaro para pedir ajuda. Questionada sobre os motivos de Allan dos Santos ainda não ter sido incluído na lista de difusão vermelha, a Interpol de Lyon informou que não comenta casos individuais. A PF também não respondeu às perguntas feitas pela ISTOÉ e sugeriu que o nome do blogueiro bolsonarista tenha sido incluído em uma lista vermelha “restrita”. Um delegado afirmou à ISTOÉ que a resposta dada pela PF “não faz o menor sentido”, já que essa lista contempla apenas nomes de criminosos que não sabem que estão sendo procurados pela Justiça – o que não é o caso de Allan dos Santos.

Com a repercussão negativa, Fábio Farias disse que não sabia que Allan dos Santos também estaria presente ao evento, para o qual foi convidado por um pastor. Ele ainda acusou o blogueiro de tentar arrastar o governo para uma nova crise. Santos não deixou barato e respondeu ao ministro com outro ataque. No Telegram, Santos relembrou que Faria foi citado em delações premiadas da Odebrecht por suspostos repasses ilegais feitos a ele e ao seu pai, ex-governador do Rio Grande do Norte. O apelido do ministro na lista da Odebrecht seria “Bonitão ou Garanhão” (os casos foram arquivados pela PGR e pelo STF). “Se ele precisa e deseja um poodle para chamar de seu, ao menos reconheça que não sou um pet. O Marcelo Odebrecht nunca me apelidou de nada”, escreveu Santos. O blogueiro não foi o único encrencado com a Justiça a participar do evento na Flórida. Também compareceu Victor Sorrentino, bolsonarista que foi preso no Egito após divulgar um vídeo com comentários sexistas a uma vendedora muçulmana. Outro símbolo da impunidade do governo Bolsonaro também está voltando aos holofotes: Fabrício Queiroz. Depois de deixar a cadeia, Queiroz planeja entrar para a política e já negocia sua filiação ao PTB. O ex-PM é apontado como organizador do esquema de rachadinhas no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj. Mas as investigações acabaram arquivadas, graças às articulações obscuras adotadas pelo presidente.