O telefone do ministro tocou às 4 da manhã.

– [impublicável], alô!! – respondeu com voz de sono, depois de tatear a mesinha de cabeceira.

– Ministro… Desculpe a hora… Mas… Mas o senhor viu o que ele falou agora há pouco? – o assessor estava ofegante.

– Ai [impublicável]! O que foi agora?

– Ele disse, num jantar, que vai [impublicável].

– Num jantar? Tinha alguém da imprensa?

– Tá no YouTube. Alguém gravou e publicou.

– [impublicável]!

Não era a primeira vez que o presidente dizia o que bem entendia.

Ninguém conseguia convencê-lo de que seu cargo obrigava um certo cuidado nas declarações.

Que tudo que ele falava tinha desdobramentos profundos na economia, na segurança, na sociedade em geral.

– Eu falo o que quiser [impublicável]! Sou ou não sou o presidente dessa [impublicável]?

E pronto.

Falava mesmo.

– Hoje assinei um decreto para acabar com os impostos!

– Estamos estudando a criação do Ministério da Religião!

– É com muita alegria que anuncio que a embaixada do Canadá será transferida para Nova York.

– Hoje exoneramos todos os funcionários que estavam vestindo vermelho.

Era assim.

Todo dia uma surpresa.

E o coitado do ministro tinha que se virar para desmentir.

Pior que isso.

Precisava, antes de mais nada, perder um tempo enorme conferindo se a declaração, apesar de absurda, não era verdadeira, porque o presidente estava cercado de gente [impublicável].

A verdade é que a paciência do ministro tinha acabado.

Assim, ainda durante a madrugada, ligou para outros ministros e organizou uma reunião secreta para dali duas horas.
Foi ele mesmo quem abriu os trabalhos:

– Senhores, me desculpem a expressão, mas tá [impublicável]. Sério. O homem tá fora de controle. Fala uma [impublicável] atrás da outra. Ontem, por exemplo, ele disse que vai [impublicável]!

– Meu deus… Caiu na imprensa isso? – perguntou um outro ministro.

– YouTube.

– [impublicável] – reagiram todos.

– Então. É por isso que chamei os senhores aqui. Precisamos tomar uma providência. Até agora eu fiquei no meio-campo, entre o presidente, a imprensa, a opinião pública. Mas não aguento mais isso, [impublicável]! Por isso queria discutir alternativas.

Durante horas, os ministros deram sugestões. Todas absurdas.

Lá pela hora do almoço, um ministro sugeriu:

– Já sei! Vamos fazer o que sempre fizemos: vamos criar um ministério!

– Como assim?

– O Ministério do Desmentido!

Todos riram, mas o ministro insistiu.

– Estou falando sério, [impublicável]! Prestem atenção: a gente cria um ministério que vai checar tudo o que o presidente falar e desmentir depois, entendem?

– Mas o presidente não vai aceitar isso! – disse outro ministro.

– Claro que vai. Porque nós vamos dizer pra ele que o ministério vai monitorar tudo que a imprensa fala e não o que ele fala, entendem? E vocês sabem como ele odeia a imprensa.

– Que [impublicável] ideia! – disseram todos.

E assim foi.

O presidente aprovou na hora e o ministério foi criado.

– Quero só ver a cara desses [impublicável] da imprensa quando souberem disso! – disse ele, feliz com a novidade.

A partir daquele dia, toda vez que o presidente falava alguma bobagem, o Ministério do Desmentido entrava em ação e desmentia.

O povo?

Ah, o povo aprovou, claro.

Acharam que aquela era a maior prova da transparência do governo e até a popularidade do presidente cresceu muito.

Porque nesse país é assim. Acontecem umas coisas [impublicável].