Em meio a uma pandemia que já matou 100 mil brasileiros, o presidente Jair Bolsonaro comemora a isenção para importação de revólveres e pistolas. A medida anunciada na quarta-feira, 9, entra em vigor a partir de janeiro. Os cofres públicos perderão 20% da arrecadação fixada para a compra de armamentos no exterior. A gerente de projetos do “Instituto Sou da Paz”, Natália Pollachi, critica a decisão. “Se fosse numa situação de normalidade já seria estranho. Mas o País caminha para 200 mil mortos pela Covid-19. Precisamos de políticas de educação e reforma econômica”. O Brasil acompanha perplexo a medida fora de hora. Mas é claro que há uma motivação política no caso. Bolsonaro não se cansa de criar factoides para tirar a atenção de coisas mais importantes. A vacina que pode ser um sucesso e salvar vidas, uma inflação galopante, uma economia frágil, o desemprego crescente. “São tantas frentes de trabalho que ele podia se apegar. Mas Bolsonaro prefere se segurar numa elite que opta pela isenção de imposto nas armas, em detrimento de uma reforma tributária séria e realmente essencial”, diz o Instituto Sou da Paz. Em agosto, o presidente já havia formalizado a compra de até quatro armas por pessoa. Desde 2019, quando Bolsonaro assumiu, já são mais de 20 atos normativos facilitando o acesso às armas.

LOBBY Eduardo Bolsonaro apresentou Projeto de Lei que autoriza
a propaganda para empresas de armas, hoje proibida (Crédito:Divulgação)

Hoje, o País possui mais de 10 milhões de armas. Cerca de 2,2 milhões são de uso pessoal ou de empresas privadas. Mais de 7,6 milhões são ilegais, conforme estimativa do Ministério da Justiça (2010), grande parte delas nas mãos de traficantes. E outras mais estão com agentes públicos de segurança, mas esse número não é divulgado. O crescimento do armamento é incentivado pelo governo, especialmente, pelo filho do presidente e deputado, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Ele, inclusive, já criou atritos com militares que reclamam do lobby a favor da indústria de armas estrangeiras. Na segunda-feira, 7, o deputado também apresentou Projeto de Lei (5414) que autoriza a propaganda de armas de fogo. No Twitter, o deputado comemorou a isenção dos impostos: “Mais liberdade de escolha para assegurar a defesa e a prática do desporto”. Os internautas não perdoaram e as críticas foram severas. Um deles ironizou: “Beleza. Era o último problema que o Brasil tinha para resolver. Zeramos os problemas”. O senador Fabiano Contarato (REDE-ES), que atuou 27 anos como delegado, foi categórico ao afirmar que armar a população não reduz a criminalidade. “Zerar imposto para arma importada é medida descabida, que agride as vítimas de arma de fogo e traz ao País uma falsa sensação de segurança”, afirmou o senador.

O crescimento do número de armas disponíveis tende a aumentar. Em contrapartida, o número de apreensões vem caindo, e em 2019, alcançou o índice de apenas 52,1 armas por 100 mil habitantes. Segundo o Atlas da Violência, 86% das armas apreendidas foram legais em algum momento. Então, qualquer discurso que apresente a arma como proteção, ignora esses dados. O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) publicou na sua rede social duras críticas à medida. “O mesmo governo que quer aumentar impostos sobre livros, quer zerar os impostos sobre as armas. Retrato perfeito de um governo de imbecis autoritários”, escreveu Freixo.

Menos dinheiro para o País

Bolsonaro não contenta niguém. O analista político e economista, Carlo Barbieri, entende que a medida agrada apenas os interesses americanos. “Com a entrada do presidente Biden, os Estados Unidos voltarão a ter interesse na venda armas de defesa pessoal”. Já o senador, Major Olímpio (PSL-SP) disse que “os lojistas de armas afirmam que em nada serão beneficiados e a burocracia continua absurda para aquisição e importação”. A medida também não deve agradar o ministro da Economia, Paulo Guedes, que vive anunciando que é preciso aumentar a taxação de impostos e vê secar mais uma fonte.

A ideia de que as armas protegem é uma ilusão. Na verdade elas vão parar nas mãos de marginais e são responsáveis pelas mortes violentas. A maioria das vítimas é de jovens de 18 a 29 anos e negros. A estatística é recorrente. E não muda. A necessidade de uma agenda positiva não movimenta o governo Bolsonaro. O cientista político Márcio Coimbra enxerga gestos desesperados de um presidente em queda. “Hoje a sua popularidade está baseada naquelas pessoas que recebem o auxílio emergencial. Uma popularidade que deve derreter nos primeiros meses de 2021, logo que o auxílio emergencial terminar”, diz Coimbra. Ele lembra ainda que existe uma guerra hoje, mas não é bélica. Estamos numa contra o coronavírus.

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