FISILIOLOGISMO Arthur Lira obteve a adesão de Gilberto Kassab (embaixo) ao projeto bolsonarista de poder (Crédito:Dida Sampaio)

Em meio às polêmicas que giram em torno da incompetência do governo federal, o presidente Jair Bolsonaro verá seu futuro político ser colocado em xeque caso se confirme a tendência da eleição do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) como o novo presidente da Câmara, em eleição marcada para o próximo dia 1º. O deputado obteve a adesão de grande parte dos parlamentares da esquerda (PT, PSB e PDT), além dos integrantes dos partidos que fazem oposição ao mandatário, como PSDB, DEM e MDB. Se as perspectivas de votos se mantiverem, o líder do MDB deve ser eleito e fazer com que a assombração do impeachment do ex-capitão volte a rondar as mesas de conversas no Congresso. Afinal, essa foi uma das condições impostas pela esquerda ao definir o apoio: a possível apresentação de processos de afastamento do presidente. Essa união da oposição em torno de Rossi pode abafar o poder governista do centrão, liderado pelo candidato bolsonarista Arthur Lira (PP-AL).

MARCO ANKOSQUI

A expectativa do resultado é altamente favorável ao atual presidente da Casa e adversário de Bolsonaro, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tornou-se o principal cabo eleitoral de Rossi. Ao questionar a interferência de Bolsonaro no Poder Legislativo, Rossi atraiu para a chapa de oposição uma aliança considerada improvável há pouco tempo e que uniu novamente o PT e o MDB. Até a semana passada, os petistas acusavam os emedebistas de terem dado “um golpe” com o impeachment de Dilma Rousseff. Apesar das feridas ainda abertas, a união das duas legendas será decisiva na derrota do fisiologismo bolsonarista.

Toma lá dá cá voltou

A rota seguida por Rossi, contudo, enfrenta mares revoltos, movimentados pelos ventos que sopram das benesses ofertadas pelo governo aos deputados. Por ser o candidato apoiado pelo Palácio do Planalto, Lira começou a disputa com vantagem significativa em relação a Rossi. Afinal, a candidatura governista vinha sendo reforçada também pela oferta de cargos comissionados e até a negociação para o comando de ministérios. Tudo isso está sendo colocado na mesa pelos governistas para negociar votos a favor de Lira. É a velha política do toma lá dá cá em ação.

SUCESSÃO Davi Alcolumbre tenta alicerçar uma candidatura única para eleger o sucessor na Casa (Crédito:Andre Coelho)

Deputados ligados ao grupo de Baleia Rossi denunciam que o mandatário está oferecendo pelo menos 500 cargos aos deputados que aderirem à candidatura de Lira, além de farta distribuição de recursos de emendas parlamentares para atrair os adesistas ao candidato governista. Dados do Portal Transparência apontam que, no final de 2019, houve um recorde na liberação de emendas. Foram quase três vezes mais do que o valor liberado em 2018. Bolsonaro foi o que mais liberou verbas aos parlamentares desde 2015, fator que tem pesado na intenção de votos dos partidos ligados ao Centrão. O peso da máquina governista, pela interferência de Bolsonaro na eleição, portanto, é um dos maiores temores dos aliados de Rossi. Segundo a coordenação de sua campanha, o emedebista teria hoje o apoio de 278 deputados, abrigados em 11 partidos, mas devido às pressões do Planalto temem que possa haver elevado índice de traições. O PSL, por exemplo, que decidiu apoiar Rossi, conforme revelou seu presidente, Luciano Bivar, tem pelo menos 20 parlamentares bolsonaristas. Lira, por sua vez, teria apoio de 10 legendas, com um total de 206 votos. Entre eles, contabilizam-se os votos dos 35 parlamentares do PSD, presidido por Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo. A posição de Kassab surpreendeu os aliados de Rossi, pois o líder pessedista sempre disse ser independente. Acabou, contudo, não resistindo aos afagos governistas, rendendo-se a Lira.

Há receio até mesmo entre os partidários da esquerda, como o PSB, onde o presidente nacional da legenda, Carlos Siqueira, teme cisões entre os 31 deputados da sigla. Embora o partido tenha fechado voto em favor de Rossi, as divergências na legenda são visíveis. Siqueira reconhece que na hora que o dinheiro das emendas chegar aos parlamentares, alguns podem mudar de posição. “A postura do partido no apoio ao Baleia Rossi já foi dada. Acho que a maioria dos socialistas não vai se pautar pelo peso das emendas, pois todos são democratas acima de tudo, mas o interesse na liberação de emendas não deixa de ser importante para o deputado ampliar sua base de apoio”, disse Siqueira.

Os parlamentares do PCdoB também sofreram as consequências de terem declarado voto ao adversário bolsonarista: sofreram corte de emendas. A líder da bancada na Casa, Perpétua Almeida (AC), viu ao menos duas de suas emendas, que já haviam sido anunciadas, canceladas pelo governo. Os demais oito deputados da legenda também foram atingidos pelo corte. “No meu caso, foram R$ 4 milhões. Eram emendas para complexos esportivos. Sonho da juventude no município de Rodrigues Alves e Cruzeiro do Sul no Acre”, denunciou a deputada.

O PSOL, que ainda não declarou voto em Rossi, ingressou inclusive com um pedido no Tribunal de Contas da União (TCU) para que seja aberta uma investigação sobre o uso político das emendas palacianas para impulsionar a candidatura de Lira. Até aqui, porém, nada mudou. O candidato da oposição, porém, aposta no voto dos deputados que pertencem aos partidos que querem derrotar a máquina governista. “Vivemos um momento histórico. Desde a democratização não tínhamos uma união de partidos que pensam diferente, mas que estão formando uma frente ampla pela democracia. E existe um motivo para isso. Nós somos o que a sociedade espera, que quer mais respeito, igualdade e união. A sociedade espera uma luta por democracia e liberdade. Em vários pontos divergimos, mas a beleza da democracia está no respeito. Não é porque a pessoa não concorda com suas teses que você precisa agredir, diminuir ou matar as pessoas”, disse Baleia Rossi, durante o lançamento da sua candidatura nesta quarta-feira (6), em Brasília.

INDEPENDÊNCIA Candidato no Senado, Rodrigo Pacheco procura se desvincular do mandatário, apesar dos seus encontros (Crédito:Pedro França)

Derrota dupla

Outra disputa importante, mas menos acirrada, acontece no Senado, principalmente porque o presidente da Casa ganha poder na linha sucessória de Bolsonaro. Apesar da importância do cargo, apenas Rodrigo Pacheco (DEM-MG) se declarou candidato oficialmente. Ele é o nome apoiado pelo atual presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e, embora em caráter menos intenso do que acontece com Lira, também recebe o apoio de Bolsonaro, com quem já esteve reunido algumas vezes desde que se lançou como candidato no final do mês passado. Já conta com o sustentáculo também do PSD, que seguiu a mesma linha da Câmara, apoiando o candidato governista. Partido com a segunda maior bancada do Senado, o PSD foi o primeiro a fechar apoio em torno de Pacheco. São 11 votos, dos 41 necessários para ser eleito presidente da Casa. “Eu não apoio Bolsonaro, mas posso apoiar o governo. Esse rótulo de governista não procede”, defende-se o senador.

O fiel da balança é o MDB, que tem a maior bancada, com 13 senadores. Por isso, Pacheco corre atrás do partido para sacramentar um acordo. Simone Tebet (MDB-MS), porém, ainda não desistiu de tentar viabilizar apoio dos senadores emedebistas para cacifar sua indicação na disputa. Até aqui ela ainda não conseguiu curar as feridas abertas na última eleição para o Senado, em que disputou a indicação contra Renan Calheiros (AL): a disputa interna foi vencida por Calheiros, mas o embate com Tebet enfraqueceu o senador alagoano na disputa em plenário contra Alcolumbre, que acabou vencendo. O DEM, contudo, espera a recíproca do apoio do MDB no Senado, em troca do apoio dos Democratas à eleição de Rossi na Câmara. Nesse caso, Bolsonaro pode sair duplamente derrotado.