Trabalho pastoral de evangelização, preservação do meio ambiente, combate à pobreza, desmatamento da floresta, proteção à população indígena e formação do clero para a região estão entre os temas que serão debatidos pelo Vaticano, em outubro, na Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Amazônia.

Um dos principais desafios é aumentar o número de sacerdotes, que hoje é insuficiente para atender a uma comunidade de mais de 34 milhões de habitantes espalhados pelos territórios de noves países, cuja superfície ultrapassa 7,5 milhões de km2.

“Perto de 70% das comunidades não recebem os sacramentos da Eucaristia, da Penitência e da Unção dos Enfermos, por falta de padres”, afirma o arcebispo emérito de São Paulo, cardeal Cláudio Hummes, presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) e da Comissão Episcopal para a Amazônia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Um dos caminhos para a solução do problema seria a ordenação de homens casados (“viri probati”), leigos de vida exemplar que receberiam o sacerdócio com dispensa do celibato. Dom Cláudio mostra-se simpático a essa solução, mas adverte que a decisão será do papa Francisco. O Sínodo é uma assembleia consultiva, mas não deliberativa. Os bispos votam e, com base em suas conclusões e conselhos, o papa pode publicar um documento final.

No campo da evangelização, o senhor sempre se preocupou com a falta de padres na Amazônia. É possível dar um passo à frente para conseguir mais ministros ordenados?

O papa fala de novos caminhos. Dentro dessa busca por novos caminhos está a discussão sobre os ministérios. Atualmente a Igreja não está conseguindo ter padres suficientes para as comunidades. Falta padre. É o padre que celebra a missa, faz a confissão e dá a unção dos enfermos.

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É possível que se permita a ordenação de homens casados, cristãos leigos de comprovada virtude?

O Sínodo é que vai dizer sim ou não. Mas, pelo que se viu na preparação até agora, será necessário discutir essa questão dos ministérios na Igreja da Amazônia de modo particular. Não significa que seja para todo mundo, mas para aquela situação de necessidade extrema.

A mesma coisa se aplica às mulheres? Existe a possibilidade de se instituir o sacerdócio ou o diaconato feminino?

Isso é bem mais remoto.

O que é o Sínodo? Como é feita a escolha do tema? Quem nomeia os delegados?

No Sínodo, só os bispos votam. É um encontro com competência consultiva. Quem convoca é o papa, que é o presidente. O Sínodo será apenas para a região amazônica. Todos os bispos titulares e seus auxiliares estão convocados. Vai haver um bom número de indígenas. O papa quer que os indígenas sejam interlocutores fundamentais e indispensáveis neste ano.

Como o senhor avalia a preocupação da administração Bolsonaro com o Sínodo da Amazônia? E com o discurso crítico do governo em relação a Igreja Católica?

Certamente essa questão da soberania nacional não tem nada a ver. Não vejo a Igreja e a CNBB sendo discriminadas pelo governo, apesar de pronunciamentos nessa direção, como se a Igreja fosse oponente do governo ou fosse de esquerda.

Há várias questões de interesse comum para a Igreja e o governo no País…

A Igreja está dentro da sociedade. Os dois trabalham com a mesma população e com os mesmos problemas. Há um campo comum entre governo e Igreja, mas a Constituição e o Tratado entre Santa Sé e o Brasil, que é lei aqui, mostra a autonomia que a Igreja tem.

Como o senhor avalia a política do atual governo de rever a demarcação de terras indígenas e a resistência em aceitar o aquecimento global?


Esses acenos que estão sendo feitos nos preocupam. Seja à Igreja como um todo, seja a nós, na Amazônia. O que esperamos é que se respeite aquilo que já foi decidido constitucionalmente e que se avance nessas áreas. Ainda há muitos direitos dos povos originários a serem atendidos. Ainda estamos no início do governo. É preciso esperar em que direção se vai. A Igreja está sempre aberta ao diálogo. Achamos que a melhor solução não é o confronto. A Amazônia é fundamental para a saúde do planeta. Temos de cuidar dessa região para o futuro da humanidade. A crise climática é grave e urgente. É necessário que se tome consciência disso. O Brasil assinou o Acordo de Paris na Conferência das Partes (COP-21). Ali se disse: mais tarde será tarde demais.

Tem sido difícil convencer o governo e certos setores da sociedade que argumentam que há muita terra para pouco índio?

Acredito que não seja de má-fé que se digam coisas como essa, mas realmente pensam assim. É preciso ter mais conhecimento sobre o que são de fato a cultura e a identidade dos povos indígenas. A opinião pública e a sociedade em geral não são suficientemente informadas sobre isso. A sociedade civil precisa ser alimentada para que o Brasil assuma suas responsabilidades históricas e com o planeta. O Brasil precisa ter essa missão, em vez de se sentir prejudicado.

Isso vale também para a questão das mineradoras e dos pecuaristas?

Com certeza. Aí está uma questão de devastação e também, no caso das mineradoras, de contaminação. A terra e as águas são afetadas com a mineração, sejam as ilegais, sejam aquelas feitas legalmente. Não basta ser legalizado. Precisa ver até que ponto a lei está protegendo. No Brasil, a impunidade naquela área ocorre constantemente, o Brasil precisa ser muito mais cuidadoso com a Amazônia. Madeireiros, cultivadores de soja, criadores de gado e mineradores – tudo isso precisa ser discutido.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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