12/01/2020 - 7:20
Apesar do sucesso incontestável de Minha Mãe É Uma Peça 3, a maior bilheteria do cinema brasileiro em 2019 com apenas uma semana de exibição no ano, a renda dos títulos nacionais exibidos nos últimos 12 meses corresponde a apenas 13% da renda dos filmes internacionais, segundo dados divulgados nesta semana pela Agência Nacional de Cinema (Ancine).
Os filmes brasileiros arrecadaram R$ 315 milhões, ante R$ 2,4 bilhões das produções estrangeiras – os dois números cresceram cerca de 13% em relação a 2018.
Ainda no final de dezembro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro assinou o decreto que define as cotas de telas para 2020 – depois de passar o ano sem regulamentar o dispositivo, que prevê obrigatoriedade na ocupação de um porcentual de salas nos complexos de cinema por filmes nacionais. Há uma expectativa do mercado de que essa seja a última cota de tela assinada pelo presidente. A Medida Provisória que regulamenta o setor, de 2001, prevê a manutenção das cotas somente até setembro de 2021.
O número mínimo de produções brasileiras a serem exibidas varia conforme a quantidade de salas que cada empresa possui. Com apenas uma sala, a empresa deve exibir por 27 dias pelo menos 3 filmes brasileiros. Uma companhia que tenha mais de 200 salas deve exibir por no mínimo 57 dias, pelo menos, 24 filmes nacionais. Há uma redução de 20% da cota obrigatória para espaços que voluntariamente exibirem filmes nacionais depois das 17h.
A ocupação do parque exibidor brasileiro por filmes nacionais foi de 14% em 2018, segundo o relatório mais recente sobre o assunto, também da Ancine.
Com esses números e o sucesso de Minha Mãe É Uma Peça 3 em mente, a reportagem buscou produtores do cinema nacional para atualizar a discussão sobre a ocupação das telas e sobre como buscar caminhos para que os filmes nacionais obtenham bilheterias mais polpudas – embora nem sempre seja esse o (único) propósito de obras de arte.
“A cota de tela é algo muito bem-visto pelas distribuidoras de filmes brasileiros”, explica o diretor de distribuição da O2 Play, Igor Kupstas. “Faz diferença para nós. A cota e as políticas de incentivo ao audiovisual nos ajudam a inclusive tentar encontrar e gerar outros fenômenos como o Paulo Gustavo (protagonista de Minha Mãe É Uma Peça). Não é só ter lugar para filme pequeno, filme médio ou grande, mas garantir uma presença do cinema nacional. É bastante importante para negociar o filme com o circuito.” Para ele, é também fundamental ampliar o número de salas de cinema no Brasil (eram 3,3 mil em 2018, um número próximo ao do ano de 1975, segundo a Ancine).
Um consenso é de que as obras de comédia têm um custo-benefício muito favorável para produções nacionais e, por conseguinte, uma competição menos injusta com as produções internacionais.
“A comédia é um dos mais longevos e bem-sucedidos gêneros cinematográficos brasileiros”, explica um dos sócios da Conspiração Filmes, Leonardo M. Barros. “Tem sido assim desde a época das chanchadas e o gênero tem se renovado e reinventado ao longo do tempo. Vale lembrar que a chamada Retomada do cinema nacional começa com uma comédia (Carlota Joaquina) e nessas três décadas tem apresentado consistência de bons resultados através de uma fascinante variedade de estilos como atestam títulos como Se Eu Fosse Você, A Mulher Invisível, Os Normais, Minha Mãe É Uma Peça, Vai Que Cola, Os Penetras, Meu Passado Me Condena, De Pernas pro Ar, Cine Hollywood, Até Que a Sorte nos Separe, Os Farofeiros, Loucas pra Casar e dezenas de outros.”
Para ele, a variedade de estilos dentro do gênero e o talento dos diretores, atores e roteiristas envolvidos nas produções se somam à capacidade de se comunicar com o público brasileiro como as razões do sucesso duradouro das comédias.
Kupstas, da O2 Play, acrescenta que, no Brasil, o “laboratório” da comédia – a experimentação do material que antecede a decisão de uma produtora bancar um filme, por exemplo – é um pouco mais favorável em relação a outros estilos de filmes. “A comédia brasileira é muito particular, é um humor apenas nosso, que permite, por exemplo, uma piada na feira de rua”, diz. Para ele, essa identificação é outro dos motivos que mantêm as comédias no topo do ranking das bilheterias.
“O próprio Paulo Gustavo lapidou muito o personagem e o estilo dele no teatro, circulando com a peça, aprimorando texto e atuação e assim conquistou público”, acrescenta.
Barros lembra outros dois gêneros: a cinebiografia e os filmes de temática religiosa. “Em ambos os casos, há forte proximidade e identificação com o público brasileiro e penso que esses gêneros continuarão a crescer”, opina. Para Kupstas, o terror ainda é um espaço em aberto. “Ainda não conseguimos dominar o gênero, mas algumas pessoas estão tentando. Brasileiro gosta de terror, filmes americanos funcionam bem no mercado. Temos espaço para buscar esse nicho.”
O caminho para maior ocupação, segundo Barros, “é o de sempre e é duplo”. Produzir filmes originalmente brasileiros, buscando comunicação com as plateias do País, e em paralelo, gerar obras de excelência artística que também consigam viajar para festivais internacionais. “Temos talentos artísticos e técnicos para os dois caminhos.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.