A cada dez anos mais de 200 mil funcionários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) se mobilizam em todo o país para realizar o Censo, um trabalho complexo que mede a densidade populacional e o perfil da população. Os dados servem de base para políticas públicas, incluindo saúde e educação, e guiam os investimentos na economia. Seus resultados também são usados para definir a distribuição de recursos do governo federal por meio dos fundos de participação de estados e municípios. É o trabalho mais importante do instituto, e não é à toa que provoque tanta expectativa entre funcionários, pesquisadores diversos e na sociedade.

Este ano, como em quase todas as iniciativas anunciadas pelo governo Bolsonaro, a proposta de diminuir os recursos para o levantamento e enxugar seu questionário — sugeridas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes — provocaram uma avalanche de críticas que têm mais a ver com o atual momento de polarização política do que com os benefícios concretos — e desafios — do Censo.

AJUSTES A presidente Susana Cordeiro Guerra diz que a questão do questionário não é orçamentária. “A qualidade do Censo está garantida” (Crédito:Divulgação)

O barulho surgiu com a expectativa de corte no orçamento do Censo 2020. O montante previsto inicialmente, de R$ 3,2 bilhões, deve baixar para até R$ 2,3 bilhões — isso ainda está sendo discutido pela equipe econômica no âmbito da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Além disso, acrescentando mais ruído, foi anunciado um contingenciamento de verbas de 22% para o IBGE. A presidente do instituto, Susana Cordeiro Guerra, nega que vá faltar verba para o Censo. Segundo ela, o cronograma está mantido e já foi aprovada a contratação de mais de 230 mil funcionários temporários. A dirigente também afirma que a compra de equipamentos, novas tecnologias e o aperfeiçoamento do método de coleta podem reduzir as despesas.

Questionário em debate

Uma das principais dúvidas envolve o tamanho do questionário do Censo. Sua versão completa (usada em 10% dos domicílios) chegou a cerca de 150 itens na proposta inicial. Nas discussões internas sobre cortes, o corpo técnico havia sugerido uma diminuição no número de perguntas bem inferior ao pretendido. Diante disso, uma proposta de readequação ficou a cargo do economista Ricardo Paes de Barros, membro do conselho consultivo, que coordena os trabalhos. Um dos maiores especialistas em pobreza e desigualdade do país, Paes de Barros declarou que procuraria avaliar a experiência internacional para fazer essa redução. O economista Sérgio Besserman, que presidiu o IBGE durante o Censo de 2000 e também integra o conselho, diz que é perfeitamente possível eliminar perguntas sem prejuízo ao resultado essencial, demográfico. No atual modelo, também haveria superposição com outras pesquisas – como a medição de dados educacionais ou do desemprego – e inadequação em relação a informações que não demandam abrangência nacional, caso da mobilidade urbana.

São todos argumentos válidos, e podem ser debatidos com a comunidade científica de forma transparente. Uma diminuição no número de perguntas pode ser executada sem afetar os dados da série histórica, garantindo a eficiência do estudo e diminuindo o tempo utilizado pelos recenseadores. Isso aproximaria o Brasil da prática dos países ricos. O questionário, de fato, tem crescido nas últimas edições e inclui exageros. Um deles é perguntar em todos os lares do país se os brasileiros se autodeclaram quilombolas, por exemplo.

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Guerra afirma que a readequação do questionário não é orçamentária — diz respeito à qualidade do Censo, que não será afetada. “Estamos respeitando princípios da ONU, como a avaliação se existem outras fontes para coletar a mesma informação e a necessidade de se produzir uma operação dentro do orçamento”, diz. Mas as críticas rapidamente se propagaram, denunciando um verdadeiro “apagão estatístico”. O médico Drauzio Varella deu depoimento a uma campanha argumentando que não havia dinheiro nem pessoas suficientes para o trabalho. São manifestações exageradas. “Há uma ojeriza ideológica, diz Besserman”. Contingenciamentos e readequações não podem ser confundidos com os cortes ideológicos ou movidos a retaliação que ameaçam, por exemplo, a educação.

Parte da celeuma também tem a ver com a resistência à nova direção do IBGE, apesar dela ter todas as credenciais para assumir a tarefa. Guerra é economista especialista em reforma do Estado e descentralização. Vem do Banco Mundial, onde atuou com governos da Ásia, África e América Latina. Indicada por Guedes, ela não faz parte da ala ideológica do governo e é a mais jovem presidente da história do instituto. O novo diretor de Pesquisa, Eduardo Rios-Neto, professor emérito da UFMG, é um dos principais demógrafos do país. Caberá a ele a versão definitiva do questionário. Ele foi escolhido para o cargo após a exoneração de Cláudio Dutra Crespo, que era concursado.

Reestruturação

Entre as medidas de reestruturação em estudo por Guerra está um projeto de concentrar todos os funcionários do IBGE, que se distribuem atualmente em seis prédios, em apenas um endereço. Seria uma iniciativa bem-vinda no momento que o governo enfrenta uma de suas maiores crises fiscais. O IBGE precisa se adequar ao momento e atentar para os riscos concretos, como a deficiência no quadro de pessoal. A atual presidente afirma que em oito anos o instituto perdeu mais de 30% de seus funcionários e pode sofrer a baixa de mais 30% com os aposentáveis em 2019.

Não há razão para evitar mudanças na instituição, que também precisa de uma gestão eficaz. Acima de tudo, é fundamental manter um instituto que centraliza as estatísticas oficiais com estrutura independente, confiável e alto padrão de serviços – e não há sinais em contrário. Exemplos como a Venezuela, Argentina e, mais recentemente, a Índia, mostram os efeitos nocivos da falta de dados públicos confiáveis para a economia e a sociedade.


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