O vice-presidente regional para as Américas da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês), Peter Cerdá, avalia que a indústria aérea brasileira tem dado sinais de que o pior momento já passou, mas ressalta que ainda há muita instabilidade no País para afirmar que um processo de recuperação já está em andamento.

“No momento, o setor aéreo do Brasil precisa de estabilidade. A economia e a política ainda estão muito instáveis, e isso reflete na indústria aérea”, disse Cerdá, durante conversa com jornalistas em evento promovido pela Iata, em Genebra.

Para o executivo, a indústria aérea foi atingida por uma “tempestade perfeita” no Brasil, com dificuldades político-econômicas e sociais afetando o desempenho das companhias e gerando uma queda brusca na demanda. Como resposta, as empresas cortaram a capacidade doméstica em 12% e a internacional em 4%.

Apesar do contexto atual, a Iata projeta que a demanda no Brasil deve chegar a 167,7 milhões de passageiros em 2035 – em 2015, a demanda foi de 97,8 milhões. No entanto, Cerdá destacou que para que esse crescimento seja atingido, o Brasil precisa, além de uma estabilidade político-econômica, adequar-se às regulações internacionais da aviação.

“(As regras brasileiras) diferem das regulações globais em termos de bagagem e penalizam as aéreas em caso de atrasos não ligados às empresas, como os gerados pelo mau tempo”, disse. “Precisamos que o Brasil e as autoridades mudem as regulações e permitam que a indústria reaja.”

Em relação às bagagens, Cerdá destacou que as regras brasileiras para peso e dimensões são diferentes das praticadas no resto do mundo, o que confunde viajantes e dificulta a integração das companhias aéreas à indústria global. “No lugar de adotar as regulações globais, que protegem todos, o governo faz o mais difícil.”

Cerdá também classificou a precificação do combustível de aviação no Brasil como problemática, afirmando ser necessário uma mudança urgente nesse quesito – o executivo ressalta que, apesar de ser produtor de petróleo, o País possui um dos combustíveis de aviação mais caros do mundo.

“O preço doméstico do combustível é até 50% maior no Brasil, o que é um grande problema para as aéreas, uma vez que o combustível tipicamente responde por um terço dos custos operacionais”, disse, afirmando ser necessária a adoção de um modelo de precificação de combustível que seja claro e em linha com as práticas internacionais. “Sem uma estrutura de custos e uma regulação correta, o Brasil não vai conseguir atrair companhias aéreas internacionais para o País, e as empresas locais terão dificuldade de competir internacionalmente.”

Regulações ‘mais inteligentes’

O vice-presidente regional para as Américas da Iata afirma que a entidade trabalha com a perspectiva de que o governo brasileiro irá apresentar, em breve, um novo conjunto de regulações para o sistema aéreo do País, e que essas regras serão “mais inteligentes” em relação às atuais.

“O Brasil reconhece os problemas que nós apontamos, e eles estão sendo avaliados”, disse Cerdá, em conversa com jornalistas durante evento promovido pela Iata, em Genebra. “Estamos otimistas que vamos ver certas mudanças na indústria, apesar de não esperarmos que todos os pedidos sejam atendidos imediatamente”.

Dentre os problemas regulatórios, Cerdá cita questões ligadas ao atraso nos voos – atualmente, as companhias são punidas, mesmo que o atraso seja causado por fatores externos, como o clima – e à gestão da bagagem, cujas regras diferem das adotadas no resto do mundo, o que causa dificuldades em voos internacionais.

Além disso, o executivo ressalta que a política de precificação do combustível de aviação praticada no Brasil também não segue os padrões globais, o que faz com que o preço cobrado das aéreas nacionais seja muito maior que das empresas internacionais.

“Entendemos que algumas mudanças levam tempo para ocorrer, e o País está agora na ‘tempestade perfeita’. Alguns itens não necessariamente são prioridade agora”, disse Cerdá, ressaltando que a aviação poderá ajudar o Brasil a superar a crise caso sejam construídas condições regulatórias mais adequadas.

América Latina

A indústria aérea na América Latina deve registrar um lucro líquido de US$ 200 milhões em 2017, de acordo com projeções divulgadas nesta quinta pela Iata. O número está abaixo do resultado estimado pela entidade para a região em 2016, de US$ 300 milhões.

Segundo as perspectivas da Iata para o continente, o lucro líquido por passageiro das empresas aéreas latino-americanas deve ficar em US$ 0,76 em 2017, com a margem líquida chegando a 0,7%. A entidade ainda projeta que a demanda na América Latina deve aumentar 4% em 2017, enquanto a oferta deve crescer num ritmo maior, de 4,8%.

A associação destaca que, apesar dos sinais de melhora no câmbio e nas perspectivas econômicas dos países da região, as condições operacionais para as aéreas seguem desafiadoras – para a Iata, deficiências na infraestrutura, impostos elevados e obstáculos de natureza regulatória seguem freando o desenvolvimento da indústria.

“Ainda precisamos de infraestrutura eficiente na região, há muitos aeroportos e HUBs obsoletos”, disse Cerdá. “As aéreas, nos últimos anos, aumentaram a capacidade, fortaleceram as operações locais e compraram novas aeronaves, mas estão sendo impedidas de crescer por causa da infraestrutura.”

Privatizações

A Iata avalia que a privatização de ativos de infraestrutura, em especial aeroportos, deve ser feita com cautela, com governos devendo tomar as providências necessárias para balancear os interesses públicos e privados.

“Apesar de muitas privatizações ocorrerem no mundo todo, não vimos nenhum exemplo que tenha realmente atendido às expectativas de fornecimento de capacidade suficiente, eficiência operacional e acessibilidade de custos”, disse o economista-chefe da Iata, Brian Pearce, em evento promovido pela entidade, em Genebra.

Segundo Pearce, o balanceamento dos interesses começa na escolha do concessionário. O economista avalia que a obtenção de lances elevados nos leilões não deve ser a motivação primária dos governos, mas sim a construção de soluções de longo prazo que deem suporte à economia local e nacional.

Passageiros

Segundo a Iata, o setor aéreo global deve transportar cerca de 4 bilhões de passageiros em 2017 – esse montante deve chegar a 7,2 bilhões em 2035. “Esse crescimento vai trazer benefícios econômicos, mas somente se a infraestrutura melhorar no mesmo ritmo”, disse Pearce.

*O jornalista viaja a convite da Iata.