A inteligência artificial (IA) é frequentemente encarada como ameaça a profissões e a empresas bem estabelecidas, nas mais diversas indústrias. Mas têm se mostrado também uma aliada poderosa no avanço da inovação em saúde e bem-estar.
O mercado está cheio de novidades lançadas recentemente, com presença cada vez mais visível na vida das pessoas e nos negócios do setor. Elas vão desde algoritmos que personalizam treinos a plataformas capazes de detectar sinais de depressão.
Questões como privacidade de dados sensíveis, viés algorítmico e desigualdade no acesso digital ainda exigem atenção das empresas, usuários, reguladores e profissionais da área. E não se pode ignorar o elemento humano como ponto central do mercado.
Mas os avanços observados até aqui indicam soluções bastante promissoras, tanto em termos de impacto no bem-estar das pessoas, de forma individual, quanto da sociedade e das empresas, com reflexos diretos sobre a produtividade.
Uma das principais frentes de uso da IA é na personalização em escala de produtos e serviços. No mercado de saúde e bem estar, essa forma de aplicação da tecnologia tornou possível a criação de aplicativos capazes de combinar dados comportamentais, históricos de saúde e preferências individuais na oferta de planos de condicionamento físico, alimentação e meditação sob medida.
A norte-americana Peloton, por exemplo, utiliza IA para ajustar automaticamente a intensidade dos treinos dos clientes em suas esteiras e bicicletas “inteligentes”. Para isso, baseia-se no desempenho e na frequência cardíaca, medida em tempo real. A empresa também oferece aulas ao vivo e sob demanda. Para aumentar o engajamento e a retenção, o conteúdo é recomendado por algoritmos, de acordo com o perfil do usuário.
O monitoramento em tempo real de indicadores de saúde também está na base de diversas empresas. Dispositivos vestíveis, como os da norte-americana Whoop, voltada ao público esportivo de alta performance, por exemplo, oferecem informações sobre sono, estresse, recuperação e esforço físico. Elas são geradas a partir da análise contínua de indicadores como a variação da frequência cardíaca, o que permite o envio de alertas ao usuário.
No Brasil, há diversos casos de uso no segmento corporativo, em hospitais e clínicas de saúde. De acordo com estudo recente da PwC, mais de 60% das organizações privadas do setor usam a IA em suas operações diariamente. Entre as aplicações, estão aumentar a eficiência na gestão de leitos, analisar exames com mais eficiência e agilizar e apoiar decisões clínicas. Em laboratórios, a tecnologia é adotada na análise de exames por imagem de 10 mil a 140 mil pacientes por mês.
Mas talvez uma das fronteiras mais delicadas e promissoras da IA, pelos ganhos potenciais, seja a da saúde mental, hoje afetada frequentemente pela relação dos usuários com novas tecnologias, como a própria IA, e pelo ritmo da rotina nas sociedades modernas. O tema é um dos mais relevantes para os trabalhadores e o RH das empresas, como mostram estudos recentes da Catho e da MIT Sloan Management Review Brasil.
As soluções disponíveis no mercado ainda tem limitações sérias, como respostas genéricas e superficiais, e não substituem psicólogos e outros profissionais da área. Mas podem atuar como ferramentas complementares, em casos mais simples, e ajudar a reduzir barreiras de acesso e estigmas ligados à saúde mental.
Lá fora, plataformas como a inglesa Wyza e a americana Headspace têm procurado ocupar esse espaço. Elas oferecem suporte emocional baseado em IA, com a possibilidade de acesso a terapeutas humanos. Em ambos os casos, atendem tanto usuários individuais quanto empresas. São serviços em evolução constante, com grande espaço para avanços, na medida em que a IA generativa amadurecer nos próximos anos.
O certo é que há um número crescente de empreendedores, grandes empresas e investidores atentos ao potencial de escala e retorno da IA no setor de saúde e bem-estar. Como em outras revoluções tecnológicas, o diferencial estará em saber aliar inovação à escuta das reais necessidades das pessoas. Porque, por mais que a IA seja usada em processos produtivos, análises químicas e prescrições médicas, sem o elemento humano não existe mercado de saúde e bem-estar. O consumidor é humano deve estar no centro da atenção em qualquer ocasião.
* Fabiano Zettel é fundador da Moriah Asset, primeiro veículo de investimentos no Brasil com foco exclusivo em empresas de saúde e bem-estar.