Em novembro de 1970, onze integrantes da redação do Pasquim foram presos a mando do regime militar, irritado com a edição de número 71, que reproduzia o famoso quadro Independência ou Morte, de Pedro Américo, mas com um balão sobre a cabeça de Dom Pedro I que dizia: “Eu quero mocotó!”. O humor incomodava justamente por ser inteligente. Afinal, em todos os cantos do jornal era possível encontrar algo novo que, além de provocar risadas, transmitia uma mensagem subliminar.

Bastava, por exemplo, ler o lema que tradicionalmente aparecia abaixo do logotipo e que mudava a cada semana como uma coleção de bofetadas: “Quem é vivo sempre desaparece”, “Tesoura sim, alicate não”, “Pasquim – um folião no velório”.

Ou a famosa seção Gip Gip Nheco Nheco, cartuns para os quais Ivan Lessa criava frases lapidares, um mosaico de ‘desaforismos’ que ganharam notoriedade com o tempo: “No Brasil, morre-se muito de médico”, “O brasileiro é um povo com os pés no chão e as mãos também”, “Vomitar no Nordeste é símbolo de status” e aquele que se tornou lema para muitos historiadores: “A cada 15 anos, os brasileiros esquecem o que aconteceu nos últimos 15 anos”.

O Pasquim testava os limites do humor e da contestação, era um jornal sempre no ataque contra tudo aquilo que era desfavorável às pessoas. “O humor, ao contrário da raiva ou apatia, era a principal arma daqueles artistas”, observa a cineasta e cenógrafa Daniela Thomas, que assina a expografia da mostra Pasquim 50 Anos ao lado de Felipe Tassara e Stella Tennenbaum. “O jornal era um manual de sobrevivência contra a ditadura, pois oferecia repertório para que o leitor soubesse contestar e não se vitimizar.”

Quando pequena, Daniela frequentava a redação do Pasquim, acompanhada do pai, Ziraldo. Lá, também encontrava o tio, Zélio. “Era um ambiente muito festivo e eu, criança, ficava com medo de que meu pai não quisesse mais voltar para casa”, diverte-se.

Tamanha intimidade favoreceu Daniela a criar os espaços expositivos que se espalham pelo Sesc Ipiranga.

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A começar pela ala chamada A Gripe do Pasquim, que se refere justamente à prisão da cúpula do jornal, em 1970. Foi proibido publicar a notícia sobre a prisão. Assim, em janeiro de 1971, quando todos foram soltos, uma nota no Pasquim informava que finalmente havia passado o surto de gripe que assolou toda a equipe. Mas, para mostrar que a cadeia não intimidou a trupe, a edição seguinte à soltura dos jornalistas trouxe a atriz Maria Claudia na capa, com a língua de fora e uma legenda sugestiva: “Estamos aqui, ó!”.

Tal extroversão marcava principalmente a entrevista da semana, encontros cuja conversa era reproduzida na íntegra, inclusive com falas secundárias, como alguém se desculpando por ir ao banheiro. A mais notória foi a de Leila Diniz, em 1969, cujos 72 palavrões foram prudentemente substituídos por asteriscos para não irritar a censura – e Ziraldo teve a genial ideia de compactar palavras criando neologismos como ‘duca’ e ‘sifu’.

A exposição traz ainda 33 totens que reproduzem em tamanho natural os colaboradores mais proeminentes, além de uma Redação com 26 rotativas de diversos trabalhos publicados para o público imergir na realidade do periódico, que chegou a atingir a tiragem de 200 mil exemplares semanais. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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