Era final dos anos 70. Um seriado de TV contava o drama do cientista David Banner. A história virou febre no Brasil. No enredo, após um experimento mal sucedido, o protagonista tem o corpo alterado sempre que se sente acuado ou é submetido a um estresse. Ele se transforma em um monstro alto, musculoso, de pele verde e que ganha a alcunha de Hulk. No fim dos anos 90, em Campina Grande, na Paraíba, o menino Givanildo, dono de um porte físico avantajado, rompe defesas com a bola nos pés e, quando provocado, muitas vezes tenta resolver a situação pelo calor da emoção. No braço.

A continuação da história do menino paraibano tem desfecho conhecido graças à sensibilidade do treinador Mano Costa. Se Givanildo, que já na infância era apelidado de Hulk, comandou o Atlético-MG rumo ao título do Campeonato Brasileiro neste ano, muito se deve aos conselhos de seu primeiro “professor”. O Estadão foi às bases, onde Hulk cresceu, para contar um pouco de sua história no futebol.

“Desde guri, ele já fazia a diferença. Pegava a bola e driblava muito. Passava por dois, três e ninguém o parava. Aí os moleques adversários batiam mesmo. Provocavam. Como Givanildo era pavio curto, ia para dentro também. Queria resolver tudo no braço. Nunca teve medo de nada”, conta Mano que, em seus tempos de jogador, defendeu Sport, Remo e Goiás.

Para controlar a pequena fera e ensinar as malandragens do campo, o treinador recorreu à psicologia. Assim, se o herói do seriado usava da truculência para sanar seus problemas, o Hulk de Campina Grande canalizou sua força apenas na vontade de vencer nos gramados.

Profundo conhecedor do futebol local, Mano Costa fixou raiz no Estado paraibano desde que aposentou as chuteiras em 1994, quando o Brasil foi campeão do mundo. Ali, ele garante estar diante de um celeiro de bons valores.

“Parei de jogar e logo depois comecei a trabalhar com o futebol de base. Conheço muita gente por aqui. O Estado da Paraíba revelou jogadores importantes para o cenário nacional como Fábio Bilica, Marcelinho Paraíba e agora o Hulk”, comentou com orgulho. O atacante estava na seleção na Copa do Mundo de 2014.

Em pleno século 21, o treinador de 59 anos se revela ainda um “cara das antigas”. O contato para entrevista foi intermediado pelo filho Ragner, que cedeu o seu celular para que a reportagem pudesse ser feita. Na conversa, o perfil de Hulk pré-adolescente foi destrinchado. “Ele não gostava de perder. Quando saía de campo derrotado, ficava reclamando e resmungando o tempo todo. Era muito focado. E mesmo sendo o destaque do time, nunca foi de maltratar ou xingar os companheiros. A liderança era positiva.”

Nas lembranças de Mano, Hulk teve o primeiro destaque em campo na final dos Jogos da Esperança, realizado entre 1999 e 2000. “A decisão terminou empatada e fomos para a prorrogação. E com todo mundo cansado, ele desequilibrou e marcou três gols em 15 minutos.”

A performance diferenciada logo colocou a joia da Paraíba no radar dos empresários do futebol. “Velocidade, muita força física e uma pancada na perna esquerda. Difícil segurar. Recentemente, eu soube que nos campeonatos mirins que ele disputava, alguns pais de meninos rivais chegaram a oferecer dinheiro para o juiz expulsá-lo. Veja se pode isso”, afirmou.

De origem humilde, Hulk contou com uma ajuda extra-campo daquele que seria o seu ‘descobridor’ para poder dar os primeiros chutes. Professor da escolinha particular Futebol&cia, Mano soube do desejo do menino de fazer parte do projeto. Por ser amigo da família, o então treinador negociou com o proprietário e se encarregou de bancar a mensalidade do garoto.

“Eu trabalhava os fundamentos dos meninos, não era só rachão. Era um trabalho sério. Quando soube pelo pai, que o Hulk queria participar das aulas, fiz um acordo com o dono. Valeu a pena”.

A amizade se manteve mesmo com o jovem atleta ganhando os campos no exterior. Prova disso é que o mentor chegou a visitá-lo quando atuava em Portugal. “O Hulk era muito querido no Porto e sua passagem lá foi muito boa. Ele ganhou muitos títulos. Eu me lembro que, uma vez, ele se aventurou a fazer uma galinha à cabidela, só que não deu muito certo. Ligou para o Brasil para pedir ajuda por telefone porque se enrolou com a receita”, comentou aos risos.

INSPIRAÇÃO NO FENÔMENO – Pouca gente sabe, mas o hoje ídolo atleticano já quebrou o galho na lateral-esquerda. A potência do seu chute e a disposição física poderiam levá-lo a se inspirar em Roberto Carlos. Mas foi um outro pentacampeão do mundo que o influenciou.

“Ele gostava das arrancadas de Ronaldo para cima dos zagueiros. Desde pequeno também sabia driblar. Então, por ter essas características ofensivas, gostava de ver o Fenômeno em campo”, conta Mano.

Nos tempos de garoto, a camisa que a então promessa do futebol gostava de usar era a 11. “Você sabe que o jogador canhoto, quando é bom de bola, é muito mais difícil de ser marcado. E o Hulk aprimorou a perícia da perna esquerda com o decorrer do tempo. Hoje, aos 35 anos, está ainda melhor com a experiência adquirida ao longo da carreira.”