Uma chuva sem precedentes transformou a quarta maior cidade dos Estados Unidos, Houston, no Texas, no cenário de um dilúvio. Os primeiros alertas começaram a ser emitidos na quinta-feira 24, com o anúncio da chegada da tempestade tropical Harvey, que despejou o maior volume de chuva em um só dia na história do país e deixou um rastro de destruição. Casas e avenidas ficaram submersas, carros deram lugar a embarcações para resgate, aeroportos pararam de operar e explosões atingiram áreas industriais. “A sensação é de choque, sem saber o que fazer e para onde ir”, disse à ISTOÉ Paloma Chica, 30 anos, profissional de recursos humanos que trabalha como voluntária nos resgates. Pelo menos 50 mil casas foram inundadas e cerca de 30 mil pessoas precisaram ser levadas a abrigos.

O presidente Trump com a equipe de gerenciamento: os EUA não aprenderam as lições do furacão Katrina (Crédito:Carlos Barria)

Destruição semelhante ocorreu em agosto de 2005, quando o furacão Katrina chegou à Louisiana, estado vizinho ao Texas. A tempestade deixou 971 mortos em Nova Orleans, principal cidade atingida, e os danos custaram pelo menos US$ 71 bilhões. “O furacão Katrina não deixou um legado”, afirma Luci Hidalgo Nunes, climatologista e professora de geografia da Unicamp. Em 2012, o furacão Sandy também causou 43 mortes em Nova York e Nova Jersey. De lá para cá, pouco ou quase nada mudou no que se refere ao planejamento e a gestão desse tipo de desastre. “Houston, assim como outras grandes metrópoles, artificializou o ambiente natural, canalizou rios, impermeabilizou o solo e com isso criou situações de perigo. Chegou o momento de pensarmos na construção de cidades mais harmônicas”, afirma. Os prejuízos causados por Harvey devem custar entre US$ 150 e US$ 200 bilhões. “As pessoas sofrem também com a falta de planejamento e de seguros. Apenas um em cada seis habitantes tem esse tipo de proteção”, diz Kevin Trenberth, cientista e climatologista do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas, dos EUA.

Ocupação irresponsável

Por trás dos estragos há gargalos no planejamento urbano da cidade. Há décadas, Houston vive um processo de crescimento desenfreado que estimulou a construção de zonas residenciais em regiões suscetíveis a inundações. “Sistemas de drenagem e gestão de águas, que desempenham importante papel na engenharia urbana, não foram considerados”, diz Trenberth. “Ignorar a alta probabilidade de inundações foi algo irresponsável.” As imagens da cidade quase submersa mostram não apenas um quadro desolador. Evidenciam, principalmente, que pouco se aprendeu nos últimos anos. Apesar dos esforços das equipes de emergência, o governo local falhou na assistência às populações afetadas. “Enquanto em Nova Orleans a tempestade castigou cruelmente pessoas de menor poder aquisitivo, Harvey atingiu todas as classes sociais”, diz Kevin Simmons, economista da Austin College. As autoridades se limitaram a pedir que a população não tentasse fugir por rotas terrestres e ocupasse locais altos, sem oferecer alternativas aos cidadãos com dificuldades de locomoção e mobilidade. Agora, ainda que a primeira fase da tragédia tenha ficado para trás, fica a difícil tarefa de reconstruir o que se perdeu. O próximo desafio, diz a voluntária Paloma, é esse: como as pessoas serão mantidas nos abrigos e como retomarão suas vidas.

Tempestade devastadora
Em apenas um dia, choveu o equivalente a 53 trilhões de litros de água, um volume recorde para a cidade

13 milhões de pessoas foram afetadas pela tempestade

Pelo menos 50 mil casas foram inundadas

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Mais de 4 mil edificações ficaram destruídas

30 mil pessoas foram instaladas temporariamente em abrigos

US$ 200 bilhões é o custo estimado pelo governo do Texas para a reconstrução de Houston

O que agravou o fenômeno

1 A cidade é plana, o que dificulta a drenagem, pois a água não tem para onde ir

2 Expansão urbana: com o recente crescimento populacional, a cidade ganhou grandes vias expressas e perdeu área verde, o que impermebiliza o solo e impede a absorção da água da chuva

3 As autoridades locais negligenciaram regulamentos de construção mais rígidos, permitindo a pavimentação de áreas de pradaria que poderiam reter um volume maior de água

4 Desde o Furacão Ike, em 2008, a cidade discute propostas de obras de prevenção a enchentes, como diques e barragens, mas nada foi construído até agora

Despreparo

• Autoridades não anteciparam o anúncio de um plano de evacuação das cidades afetadas pelas chuvas

• O governo falhou em oferecer assistência para pessoas com dificuldade para locomoção


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias