Às 13h55, na Bela Vista, centro de São Paulo, um homem de meia-idade, cabelo branco e bigode escovinha levantou um crucifixo para o alto e puxou a oração: “Livrai-nos da maldição do aborto no Brasil, no Pérola Byington e no mundo inteiro”. Em coro, outras sete pessoas repetiram a prece – quatro delas, mulheres.

Agora na reta final, os fiéis fazem desde setembro a vigília “40 dias pela vida SP” e rezam na praça na frente do hospital de referência no atendimento a mulheres vítimas de violência, que realiza aborto para casos previstos na lei. Nesse período, pacientes e funcionários da unidade relatam casos de constrangimento e até de agressão.

No fim de semana, porém, um grupo de moradores do bairro, que se declara legalista, decidiu armar outra tenda no local – em uma espécie de “contravigília”. A justificativa: “proteger as mulheres e os médicos”. Segundo afirmam, a convivência tem sido pacífica.

A tenda contrária ao aborto expõe uma série de cartazes e camisas do ato (nas cores azul, rosa e branca; R$ 30, cada). “Vamos defender a vida dos coleguinhas”, afirma uma mensagem, ilustrada com um bebê erguendo o punho. Também há um altar com imagens de santos.

Já a do outro grupo exibe frases opostas. “Mulheres, estamos com vocês”, diz uma faixa. “Bíblia não é Constituição”, escreveram. Pela legislação, a mulher pode abortar em casos de estupro, risco de morte da mãe ou anencefalia do feto.

Além de moradores da região, a “contravigília” passou a ter apoio de feministas e estudantes. Na tarde desta quinta-feira, 31, também recebeu os vereadores Eduardo Suplicy e Juliana Cardoso, do PT. Na saída, Suplicy tentou cumprimentar os ativistas antiaborto, mas foi ignorado. “Retira-te, satanás”, dizia o grupo na hora, em oração.

“Eles não estavam com disposição de conversar. Se eles tivessem me estendido a mão, eu teria conversado”, disse depois o vereador. A reportagem tentou falar com o grupo duas vezes, mas os participantes responderam que “só estavam ali para rezar”.

Na semana passada, a página “40 dias pela vida SP”, no Facebook, publicou fotos com a primeira-dama Bia Doria, que recebeu 58 curtidas. Em nota, contudo, ela diz que só havia feito uma visita ao hospital e, ao sair, “educadamente atendeu ao pedido do grupo”. “A primeira-dama solicitou que o diretor do hospital (…) esclarecesse aos manifestantes o trabalho de excelência e referência.”

Proteção

No dia 21, uma vítima de estupro coletivo foi tirar satisfação com os religiosos e acabou sofrendo um mata-leão. Foi esse episódio que motivou a escritora Daniela Neves, de 47 anos, a montar a tenda “legalista”. “Não viemos fazer um movimento pró-aborto, mas uma mobilização para evitar que as mulheres e funcionários sofram assédio ou violência”, diz. “Nossa presença inibe. É como uma espécie de ‘muro’.”

Médicos também foram xingados de “assassinos”. “O Pérola Byington trabalha dentro da lei”, diz a psicóloga Daniela Pedroso, uma das funcionárias da unidade.

“Mas a preocupação maior, de fato, é com as mulheres. Elas já passam por situação delicada, e isso as constrange. Pode ser que deixem de ver o hospital como local de acolhimento”, diz ela. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.