Nos países mais desenvolvidos, modernos e nas democracias mais consolidadas do mundo o voto não é obrigatório. Esse conjunto de nações prefere valorizar a opinião dos mais interessados e envolvidos na política, pela via do sufrágio consciente, essencial para evitar uma série de distorções da democracia representativa. A mais perniciosa delas, o voto do cabresto, no qual se inclui a compra de votos. Nas últimas eleições, a população brasileira emitiu o recado nas urnas de que deseja seguir por esse caminho. Ou seja, quer ter o direito de escolher se vai votar ou não. Essa liberdade é justamente a essência da democracia. O voto obrigatório expõe uma contradição: como um governo pode ser democrático se não assegura a seus cidadãos o direito de escolher se querem participar ou não da vida política?

Os números são eloqüentes no sentido de demonstrar que o brasileiro quer mesmo poder optar. Só no segundo turno das eleições municipais, realizado no último dia 30, as abstenções foram de 7,1 milhões de eleitores (21,5% do total). Os votos nulos e brancos chegaram a 3,7 milhões, ou 14,3% do eleitorado. Juntos, esses brasileiros que não foram votar ou, apesar de irem até uma urna, não escolheram um dos candidatos, ultrapassaram 1/3 do eleitorado. A situação coloca em xeque a obrigatoriedade do voto.

O panorama mundial corrobora o favoritismo pelo voto facultativo. Segundo estatísticas da organização internacional Idea, sigla de Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral, o Brasil faz parte de um restrito grupo de 26 países que adotam o voto obrigatório, o equivalente a 13% do mundo. Neste conjunto estão muitos países da América Latina, como Argentina, Bolívia e Uruguai, além de outros como Austrália, Bélgica, Grécia, Congo, Egito e Tailândia. Do outro lado, a organização contabiliza 173 países, ou 85%, que adotam o sufrágio facultativo, como os Estados Unidos, Reino Unido, Suriname, Vietnã e Uganda. Outros 2% são ditaduras e não realizam eleições.

Para o advogado Daniel Bialski, membro da Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa, já passou da hora de eleitor pode decidir se quer ou não comparecer às urnas. “Tem que ser um direito, não uma obrigação”, declarou. Para ele, essa mudança vai incentivar que as pessoas votem estimuladas a exercer sua cidadania. “A pessoa vota segura do que está fazendo, porque escolhe espontaneamente não se omitir no processo eleitoral”, disse Bialski. O advogado Luiz Fernando Prudente, do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP), faz coro. Mas, para ele, o voto facultativo tem que ser o “objetivo” final. “Nós temos que levar a nossa democracia para o voto facultativo, como ocorre nas democracias consolidadas”.

Em junho do ano passado, a Câmara rejeitou o fim do voto obrigatório ao votar um pacote de minirreforma política. Agora, com o fim das eleições, a Casa instalou uma comissão especial para discutir uma nova reforma política, na qual o tema pode entrar novamente na pauta. O presidente da comissão, deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), já declarou que deseja incluir o tema dentre os assuntos a serem debatidos pela comissão. Resta saber se os parlamentares terão coragem de fazer a mudança tão significativa no sistema político brasileiro.

Um artigo feito justamente para discutir o tema dentro do Congresso pelo consultor legislativo Paulo Henrique Soares cita como ilusão a afirmação de que o voto obrigatório gera “cidadãos politicamente evoluídos”. “Cabe aos partidos políticos cativar essas pessoas para suas propostas. Se elas forem sedutoras, os eleitores comparecerão às urnas. Uma multidão amorfa conduzida mediante constrangimento legal às urnas tem a mesma decisão eleitoral de uma boiada, destituída de vontade própria e, portanto, sem responsabilidade por sua atitude, já que é tutelada”, escreveu.

Jovens indicam tendência

Jovens ouvidos nas ruas de São Paulo na última semana por ISTOÉ confirmaram a tendência pela não obrigatoriedade. É o caso da gerente de projetos, Natasha Kaminski, 26 anos. Ela nunca havia anulado o voto antes. Eleitora de Curitiba, disse que nenhum dos candidatos representavam os seus ideais. “Eu me vi sem opção”, disse Natasha, que optou por teclar um número inválido. Se não precisasse votar, faltamente não iria Às urnas. Apesar de mesária nas eleições de São Paulo, a estudante de publicidade Marcela Silva, 21 anos, optou, pela primeira vez, pelo voto nulo. “Estou cansada da situação partidária do País”, desabafou Marcela. Ela é um dos exemplares da tese de que o não voto também representa uma posição política.

Ausência de Lula e Dilma: as razões foram outras

Temendo protestos: Lula e Dilma não foram votar. Se o voto fosse facultativo, não precisaríam arrumar desculpas por não comparecerem às urnas
Temendo protestos: Lula e Dilma não foram votar. Se o voto fosse facultativo, não precisaríam arrumar desculpas por não comparecerem às urnas

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Os ex-presidentes da República Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff preferiram ficar em casa no último domingo 30, durante o segundo turno das eleições municipais. Os motivos, no entanto, não guardam relação com a essência da discussão sobre a obrigatoriedade ou não do voto. A intenção de ambos ao não comparecer às urnas foi a de escapar de possíveis protestos. No domicílio eleitoral de Lula, São Bernardo do Campo (SP), os eleitores não estão nada satisfeitos com o desempenho do partido do seu morador mais ilustre. Na cidade, o candidato do PT não chegou nem ao segundo turno. Foi eleito Orlando Morando (PSDB). Já Dilma também viu seu aliado Raul Pont (PT) ser derrotado no primeiro turno. Para evitar o tumulto que cercou sua votação em uma escola da Zona Sul da capital gaúcha no primeiro turno, a presidente deposta achou por bem não votar. A petista impeachada tirou o fim de semana eleitoral para visitar a mãe, em Belo Horizonte (MG). Em Porto Alegre, ela teria de escolher entre políticos tidos por ela como adversários: o peemedebista Sebastião Melo ou o tucano Nelson Marchezan Jr.

Foto: João Castellano/IstoÉ