Na educação – Neca Setubal 

Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, nasceu em São Paulo. É mestre em Ciência Política pela USP, além de doutora em Psicologia da Educação pela PUC-SP. Foi professora na Universidade Presbiteriana Mackenzie e atuou em instituições como Unicef e Banco Mundial. A socióloga é autora de diversas obras, muitas delas relacionadas à educação. Sua atuação no setor é antiga. Já colaborou com diversos governos e é presidente do conselho consultivo da Fundação Tide Setubal. Nessa ONG, a preocupação é o desenvolvimento das periferias urbanas enfrentando as desigualdades sociais, territoriais, de raça e gênero. “Focamos no território, onde podemos fazer a transversalidade das políticas públicas”, explica. Na sua visão, tão importante quanto elaborar políticas públicas, é conseguir implementá-las. “A gente ainda não conseguiu elaborar no Brasil uma política consistente para a juventude que inclua trabalho e cultura”, alerta.

A socióloga e educadora Neca Setubal representa como poucos os desafios na construção de políticas públicas. Há mais de 30 anos integra o Centec, organização sem fins lucrativos que promove equidade e qualidade na educação pública. Na Fundação Tide Setubal, desde 2006 acompanha o desafio da inclusão e do combate à desigualdade nas periferias urbanas, a partir da experiência da instituição na zona Leste de São Paulo. Nessa trajetória, sua única dificuldade não foi apenas engajar a iniciativa privada. Contribuir na elaboração de programas de governo se mostrou igualmente difícil, pois enfrentou as contingências das disputas políticas. Mas ela sempre conseguiu transpor as barreiras com tranquilidade, como fez ao ser uma das primeiras indicadas ao grupo técnico de educação do governo de transição.

A indicação foi um reconhecimento pela sua experiência na área. A deferência, porém, fez grupos bolsonaristas a atacarem nas redes sociais, inclusive citando seu histórico familiar com o Banco Itaú, do qual é uma das herdeiras. Ela já havia passado por isso antes. Em 2014, quando foi a coordenadora do programa de Marina Silva à Presidência, Neca foi alvo dos próprios petistas. Hoje, considera que o momento é diferente. “Não compactuo com essa agressividade de nenhum lado. Minha história diz muito mais do que isso. Trabalhei muito para que Bolsonaro fosse derrotado, para que a gente pudesse recompor as políticas públicas nas quais acredito e especialmente para defender a democracia”, contemporiza.

Nos debates que embasaram o governo de transição, ela ressalta o alarme diante da situação que o País enfrenta. “Tivemos em quatro anos cinco ministros da educação. As pouquíssimas políticas implementadas não foram bem executadas e não levaram em conta o que tinha sido feito anteriormente. Apresentaram resultados baixíssimos. Outras políticas que foram formuladas não têm nada a ver com os principais pontos estratégicos com os quais um ministério deveria estar preocupado”, critica. Ela cita, por exemplo, a expansão de escolas militares, as normas em relação à ideologia de gênero e a defesa do “homeschooling”. O Inep, por exemplo, foi quase todo desmontado. Quem manteve o funcionamento da autarquia, responsável por exames como o Enem e o Inep, foram os servidores, que tiveram uma atuação heróica, elogia. “A situação é dramática. Além disso, o orçamento foi muito reduzido e as bolsas de estudo foram cortadas. Universidades federais ficaram até sem conseguir pagar a conta de luz. A educação virou terra arrasada. E isso afeta a sociedade como um todo.”

“Trabalhei muito para que Bolsonaro fosse derrotado para que a gente pudesse recompor as políticas públicas. E especialmente para defender a democracia”

Além desse cenário adverso, Neca destaca os efeitos da pandemia. Ela diz que será necessário retomar a aprendizagem que não aconteceu nesse período, com a busca ativa de estudantes que não voltaram à escola depois do fim das restrições. E tudo isso é uma tarefa que excede a próxima gestão. “Certamente não é um período de quatro anos. Como o buraco está muito fundo, recompor todas as políticas demora. Acredito que em um governo só não será possível.”

Agora, o momento é de mais otimismo. “Vejo o governo Lula com muita esperança”, diz. “O MEC precisa voltar a ser formulador, tem que puxar para si esse papel, pois deixou há alguns anos de fazer isso.” E uma das prioridades, propõe, é a criação de um sistema nacional de educação que se espelhe no bem-sucedido exemplo do Sistema Único de Saúde. Isso seria um grande avanço, aproveitando a experiência do SUS com a gestão compartilhada de verbas entre os diferentes entes federativos. Um trabalho que vise o futuro. Sobre a distinção que acaba de receber da ISTOÉ, diz que se sente feliz. “Fiquei muito honrada com essa homenagem. Acredito na responsabilidade que a gente tem para com o País. Fui educada com esses valores, na defesa de uma sociedade menos desigual e que garanta os direitos para todos.”