No domingo (8), o programa Fantástico, da TV Globo, divulgou os relatos de algumas vítimas de dois supostos “gurus espirituais”. Paulo Paumgartten fundou a Missão do Espírito Santo, em Belém (PA). O terapeuta André Lanzoni criou a clínica Semear, em Campinas (SP). Ambos estão presos e são suspeitos de se aproveitarem da vulnerabilidade das pessoas e cometerem abusos sexuais contra mulheres.

As vítimas que aceitaram contar as suas histórias pediram que os rostos e vozes não fossem divulgados, pois elas ainda estão se recuperando da lavagem cerebral e se culpam pelas violências sofridas.

Missão do Espírito Santo

Paulo Paumgartten se apresentava como líder religioso e fundou a Missão do Espírito Santo. Ele morava com oito mulheres e uma adolescente, de 13 anos, na mesma residência em que ocorriam as reuniões.

As investigações policiais encontraram na casa de Paulo diários no quais tinham juramentos de devoção escritos por diferentes mulheres. “Meu único dono” e “meu senhor” eram termos que elas usavam para o suposto “guru”.

Uma mulher relatou que Paulo sugeriu que eles reproduzissem “as cenas de abusos” que ela sofreu na infância. Segundo ele, essa era a maneira para que a moça se curasse. Então, o suposto “guru” se passou pelo agressor e a fez reviver aqueles momentos horríveis. “Eu nunca mais voltei para lá.”

Outras vítimas que participaram dos encontros relataram que o homem, conhecido como “pai Paulo” usava elementos de diferentes religiões.

“Era uma grande salada. Ele trazia coisas da física quântica, trazia coisas da doutrina espírita, da umbanda, do cristianismo”, disse uma vítima.

“Neurociência, psicologia… Aromaterapia, cromoterapia… Colocou isso tudo dentro de um caldeirão. Ele explicava para a gente que era uma prática muito antiga e que não é falada no mundo, porque o mundo não quer que a gente conheça”, completou outra mulher.

Paulo convencia as pessoas que elas precisavam passar por uma evolução espiritual por meio do que ele chamava de “frequência” para alcançarem a paz.

“Ele me afastou do meu filho por um certo tempo, porque o meu filho é gay e ele achava que a ‘frequência’ do meu filho não era boa para as minhas filhas, nem para mim”, relatou uma mulher.

No dia 18 de março, Paulo foi preso preventivamente em Marudá (PA). Ele é suspeito de ter cometido violência sexual mediante fraude contra quatro mulheres. Depois, outras 10 vítimas procuraram a polícia e noticiaram mais abusos.

O advogado Omar Sarê, que representa Paulo, disse que “em momento algum aconteceu isso (abusos sexuais)”. Ele também criticou a prisão ao dizer que o suposto religioso é “um homem de 68 anos, um idoso”.

Clínica Semear

O terapeuta André Lanzoni, que criou a clínica Semear, fazia as mulheres acreditarem em um método elaborado por ele.

Uma mulher afirmou que o suposto “guru” disse que era preciso tocá-la para que ela superasse os traumas ligados à sexualidade.

Outros frequentadores da clínica relataram que eram convencidos de que o tratamento só teria sucesso se tivesse uma dedicação total e exclusiva.

Um casal expôs a dificuldade que teve após sair do grupo. A mulher foi expulsa depois de questionar os métodos de André. Por um tempo, o marido a culpou pelo ocorrido. Inclusive, ele foi orientado a se separar. “Por ter uma pessoa próxima que saiu de lá, eu era um risco para eles”, disse.

Outras pessoas relataram chantagens financeiras para terem a “evolução espiritual” por meio dos cursos que a clínica Semear oferecia. Um casal afirmou ao Fantástico que gastou cerca de R$ 100 mil durante os anos que frequentaram o local.

No dia 10 de março, André Lanzoni foi preso e é alvo de 11 inquéritos por suspeita de crimes sexuais.

Os advogados que representam o terapeuta informaram à TV Globo que “tudo será esclarecido no momento processual oportuno”.

Lavagem cerebral

O psiquiatra Gilberto d’Elia explicou que a “lavagem cerebral” não se baseia em argumentos científicos, mas sim em “um discurso que envolve”. Isso acontece a partir do momento em que o charlatão faz “uma descoberta sensacional” ou “domina uma técnica que mais ninguém domina”.

“Talvez a característica mais importante desse abusador seja conseguir identificar as pessoas que ele vai conseguir seduzir.”

A psiquiatra forense da Universidade de São Paulo (USP) Jacqueline Segre relatou que as pessoas já são envolvidas no primeiro contato por meio da “escuta receptiva e acolhedora”.

“Ele faz uma conexão de que ‘só a gente sabe que isso acontece’ e, na verdade, isso acaba aproximando mais ainda essas pessoas que compartilham dessa mesma crença”, finalizou.