Foram apenas cinco passos, com uma ‘paradinha’, antes de tocar a bola com o pé direito, com dezenas de jornalistas e fotógrafos logo atrás da rede, aguardando o momento histórico.

Eram exatamente 23H23 da noite, hora local no Rio de Janeiro, uma quarta-feira 19 de novembro de 1969.

O goleiro argentino Edgardo Norberto Andrada, apelidado “El Gato”, pulou para o lado esquerdo, adivinhando a direção da bola e até pulando para a frente, apesar de ter sido em vão.

Os 65.157 espectadores presentes no Maracanã celebraram como uma torcida única o gol do time visitante.

Edson Arantes do Nascimento, Pelé, acabava de marcar, aos 29 anos, seu gol número 1.000.

Foi numa partida entre Vasco da Gama e Santos, pelo torneio Roberto Gomes Pedrosa, equivalente ao atual Campeonato Brasileiro, e que terminou com uma vitória de virada do Peixe por 2 a 1.

A equipe cruz-maltina abriu o placar aos 16 minutos, enquanto aos 55, o time santista empatou, num gol contra marcado pelo zagueiro vascaíno Renê, que tentou impedir a finalização de Pelé. Aos 78, Clodoaldo lançou em profundidade para o atacante, que foi derrubado ao entrar na área pelo zagueiro Fernando.

O árbitro Manuel Amaro de Lima não duvidou em marcar pênalti, o que provocou os protestos dos jogadores da equipe carioca, atrasando a cobrança.

– Pelos necessitados –

Após balançar as redes, Pelé foi direto buscar a bola, lhe deu um beijo e em segundos foi cercado por uma multidão de jornalistas e fotógrafos que invadiram o campo.

“Não quero festas para mim. Acreditem que para mim é muito mais importante ajudar as criancinhas pobres, os necessitados. Pensem no Natal. Pensem nas criancinhas”, disse Pelé imediatamente após marcar o milésimo gol.

Anos depois, em entrevista à revista Veja, ele disse que essas palavras estavam relacionadas a um fato que testemunhou nas ruas da cidade de Santos.

“Dias antes, em Santos, vi uns garotos tentando roubar uns carros. Eu falei: ‘O que vocês estão fazendo aí, moleques?’. Eles ainda tentaram se justificar, dizendo que estavam mexendo só com veículos de São Paulo. Eu disse que não podiam roubar ninguém, caramba. Os garotos nem ficaram com medo. Pode um negócio desse? Por isso veio a mensagem do gol 1.000”, explicou.

Na mesma entrevista, publicada na última sexta-feira, Pelé admitiu que “se tivesse VAR (árbitro de vídeo), não seria pênalti”.

– No palco certo –

De certa forma, Pelé fez de tudo para marcar seu milésimo gol como profissional no templo do futebol brasileiro.

Duas semanas antes, em Recife, ele havia marcado duas vezes contra o Santa Cruz e totalizou 998 gols.

Aproveitando sua presença na região nordeste, um amistoso foi organizado 48 horas depois em João Pessoa, contra o Botafogo da Paraíba. Pelé balançou a rede novamente e chegou ao número 999 e depois substituiu o goleiro santista, Jair, que simulou uma lesão. A ideia era atingir a histórica marca na partida que o Santos jogaria em Salvador contra a Bahia em 16 de novembro, no estádio da Fonte Nova.

“Eu não queria desagradar os baianos, que estavam me esperando para uma partida oficial, então parei de chutar ao gol. Tive medo de que os jogadores do Botafogo se afastassem da bola para ela entrar”, explicou O Rei.

Mas no jogo em Salvador, Pelé não conseguiu superar o goleiro adversário e ainda viu o zagueiro da equipe local ser vaiado pela própria torcida por evitar, em cima da linha, um gol do atacante santista. Assim, o feito foi adiado para o principal palco do futebol brasileiro.

– De mil em mil –

Estudiosos e analistas disseram anos depois que o verdadeiro gol 1.000 ocorreu em Recife ou João Pessoa (existem discrepâncias).

O certo é que, dois anos e meio depois, o melhor jogador e atleta do século XX (eleito em 1981 pelo jornal francês L’Équipe) comemorou novamente mais um gol mil.

Em 2 de julho de 1972, Pelé marcou contra o Universidad de México, em um amistoso disputado na cidade americana de Chicago, seu milésimo gol vestindo apenas a camisa do Santos.

Aos 79 anos, e com problemas de saúde, Pelé é um dos poucos protagonistas daquela inesquecível noite de novembro de 1969 que segue vivo: tanto o goleiro Andrada – que anos depois se envolveria com a ditadura argentina – como o árbitro Amaro de Lima já faleceram.

Ainda hoje, Pelé segue como o maior artilheiro da história do futebol, com 1.281 gols em 1.363 jogos disputados.

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