Histórias da Sexualidade/Masp/ até 14/ 2/2018

Antes da polêmica envolvendo a nudez e a sexualidade nos museus e da escalada de ataques conservadores contra instituições culturais, a curadoria do Masp enviou um questionário para cerca de 40 artistas, curadores e críticos sobre a importância das questões de gênero e identidade sexual hoje no Brasil. Só 25 responderam. Se fosse hoje, quando o perigo da censura aciona um sinal de alerta, a adesão certamente seria outra. O questionário foi uma das etapas preparatórias de “Histórias da Sexualidade”, mostra que reúne mais de 300 obras de cerca de 130 artistas nacionais e internacionais de períodos e contextos diversos. O estudo do tema se desenvolveu ao longo de dois anos, em dois seminários internacionais e exposições individuais. Mesmo com tanto didatismo, a mostra não escapou dos efeitos da onda de conservadorismo que assola a cultura e optou pela classificação etária de 18 anos.

O resultado de preparação tão cuidadosa é um panorama plural das abordagens da sexualidade na arte universal, organizado de modo não-cronológico em nove núcleos temáticos: corpos nus, totemismos, linguagens, performatividades de gênero, jogos sexuais, mercados sexuais, religiosidades, voyeurismos e políticas do corpo e ativismos. “As obras da coleção do Masp foram usadas como pontos da partida para diálogos: entre alta cultura e cultura popular; temporais e geográficos, para além daquela conversa típica apenas entre Brasil, Estados Unidos e Europa”, diz a Istoé o mexicano Pablo León de La Barra, que integra o grupo curatorial com Adriano Pedrosa, Camila Bechelany e Lilia Schwarcz. A vasta presença de arte latino-americana, arte popular e de vozes e imagens historicamente reprimidas ou marginalizadas na história da arte eurocêntrica é um partido evidente da curadoria.

A diversidade de pontos de vista é portanto o statement da exposição. Antes da entrada, duas obras preparam o visitante para a variedade de discursos e camadas de reflexões que estão por vir. Trata-se da clássica representação da mulher europeia na escultura em mármore “Sapho”, de Leopoldo e Silva, ao lado da figura hermafrodita de “Lado feminino/ Lado masculino”, escultura em madeira do artista popular Chico Tabibuia. No primeiro núcleo, “Corpos nus”, a curadoria desafia o publico a se despir de preconceitos e dá continuidade a essa introdução quase pedagógica sobre o tema. “É importante apresentar desde a primeira sala diversos tipos de corpo, de forma a fazê-lo entender, relacionar-se e respeitar a diversidade”, diz Leon de La Barra.

“Quase todo núcleo tem pelo menos uma obra da coleção. A ideia é trazer obras icônicas e muito conhecidas do público para um novo contexto, com novos vizinhos”, diz Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp. A linha de frente da exposição apresenta um panteão de ícones – obras de Francis Bacon, Ingres, Manet, Flávio de Carvalho, Vitor Meireles – em diálogo com artistas contemporâneos como Juan D’Avila, Nancy Spero, Hudinilson, Rafael RG.

No ápice da exposição, a grande tela “Himeneus travestido assistindo a uma dança em honra a Príapo”, pintada pelo francês Nicolas Poussin entre 1634 e 38, divide a sala dos “jogos sexuais” com “…”, de Adriana Varejão, que estava na mostra Queermuseu, com gravuras japonesas do século 19, com quadrinhos de Carlos Zefiro, entre muitos outros.

No núcleo “Mercados sexuais”, a bailarina de Degas é cercada por obras que apontam para a realidade brasileira e mundial de abuso infantil e tráfico sexual. Como as fotografais de Juca Martins sobre uma ação policial contra travestis, ou a pintura “Pela Praia de Iracema”, de Descartes Guadelha sobre o turismo sexual no Nordeste. “A bailarina de Degas esconde a face perversa e lamentável da vida das bailarinas francesas do século 19 em paris, que muito próximas do mercado sexual”, diz Pedrosa. As histórias da sexualidade são espelhos do mundo.

Fotos: Miguel Ángel Rojas, Alexandre Cruz Leão, Ronin Gallery NY, Luciana Caravello Arte Contemporânea, Acervo MASP