A trajetória de Hector Babenco, amante do cinema e da vida, representa o Brasil no Oscar este ano. “Ele não queria ir embora, estava sempre construindo novos roteiros para sobreviver”, diz à AFP sua viúva, Bárbara Paz, diretora de um documentário sobre os últimos anos do renomado cineasta argentino, naturalizado brasileiro, falecido em 2016.

Para Babenco, responsável por sucessos como “O beijo da mulher aranha” (1985) e “Carandiru” (2003), o cinema era fonte de vida e a vida era fonte de cinema. E foi filmando que ele sobreviveu ao câncer por 32 anos.

“Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou” é intimista e se desenvolve como um conto que explora as memórias, os sonhos e delírios do cineasta, falecido aos 70 anos. Segundo a diretora, muitos – inclusive pessoas próximas – se surpreenderam ao assistir o longa.

“Acho que o Hector tinha várias camadas, vários escudos, era um homem muito bravo, genioso, inteligente (…) Esse filme aproximou ele do ser humano por quem me apaixonei e por quem eu queria que todo mundo se apaixonasse”, relata.

Apesar de reunir todos os ingredientes de tragédia, “Babenco”, cujas filmagens começaram em 2010 e se intensificaram no último ano de vida do diretor, não se rende ao melodrama.

“Hector ia me matar, porque ele detestava”, brinca Paz. “Sempre quando estava montando e chegava ali no choro ou muito melodrama, eu voltava. Porque ele era assim, apesar dos pesares, tinha muito humor. Era um cara da vida”.

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Os dois se conheceram na Feira Literária Internacional de Paraty (Flip), em 2007. “Acho que eu trouxe um pouco de energia para ele e ele me trouxe uma calmaria”, diz Paz sobre seus anos juntos. Naquele ponto, ele “já tinha dado vários sustos” na família.

“Estava sempre na iminência de morrer e nunca morria, então todo mundo já achava que ele não ia morrer mais”, lembra.

Certa vez, muito debilitado no hospital, Babenco viu um homem com uma maleta que, segundo ele, “não era padre, não era médico”. Mas não havia ninguém e sua esposa questionou: “Hector, isso não foi a morte? Não foi um susto, um sonho seu?”

Ali mesmo, ele teve uma ideia para um personagem. A morte com sua maleta foi encarnada por Selton Mello em “Meu Amigo Hindu” (2015), último filme do cineasta, estrelado por Willem Dafoe.

Atrasado pela pandemia do coronavírus, o documentário “Babenco” estreou no Brasil em 26 de novembro, mas desde 2019 viajou pelo mundo em festivais e colecionou prêmios, como em Veneza, onde venceu Melhor Documentário na Mostra Venice Classics e o Bisato D’Oro.

O filme é a aposta do Brasil para figurar entre os indicados de duas categorias do Oscar 2021: filme internacional e documentário. A Academia vai divulgar uma pré-seleção em 9 de fevereiro e a lista final em 15 de março.

– “Um andarilho” que escolheu o Brasil –

Nascido em Mar del Plata, Argentina, filho de imigrantes judeus, Hector Babenco foi um cidadão do mundo. Passou pela França, Itália, Espanha e até “aprendeu a fazer cinema nos filmes do Orson Welles”, enquanto fazia figuração, conta Paz.

Como diretor, esteve à frente de produções no Brasil, Argentina, EUA, México e França.

“Ele dizia que ele não tinha raiz, que era um andarilho, um beatnik. Isso machucava um pouco ele”, conta a viúva.

“Os brasileiros acham que eu sou argentino e os argentinos acham que eu sou brasileiro”, desabafa Babenco no filme. Mas foi o Brasil que ele escolheu, ressalta Paz.


“Ele se sentia um brasileiro. O fato desse filme ter sido escolhido acho que é a maior emoção e homenagem que poderia existir pra ele”, afirma.

No documentário, o próprio cineasta explica sua atração pelo país: “no Brasil, a realidade supera a ficção numa proporção muito mais rápida que na Argentina”. Ela é “mais rica, mais contraditória, mais caótica”, acrescenta.

Bárbara Paz não ousa presumir o que Babenco diria do Brasil atual, mas relata suas dificuldades como artista em meio às represálias sofridas pela cultura no governo do presidente Jair Bolsonaro.

Ela afirma que o financiamento inicial do filme saiu de seu bolso e depois contou com alguns coprodutores privados. Na corrida pelo Oscar, ela fez uma campanha de crowdfunding que já atingiu a primeira meta, de 200 mil reais. O governo federal não deu qualquer ajuda.

“’Bacurau’, ‘Vida Invisível’, ‘Babenco’, muitos filmes premiados no mundo inteiro sem receber um parabéns do governo”, lamenta. “Nós, artistas, somos vilões mesmo (…) Parece que nosso presidente tem medo dos artistas porque ele sabe nossa potência”.

No entanto, Paz se mantém positiva. “É muito triste, mas a gente sabe que vai ter um fim. O artista nunca parou, não é agora que vai parar”.


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