Você, que é jovem, está aprendendo uma  História do Brasil pela metade na escola.

É que os livros didáticos não trazem o calor do momento. Trazem apenas os frios fatos.

Por isso, para quem não viveu na pele o último meio século, preparei esse relato pessoal.

É um testemunho confiável, pois sou isento.

Não lutei pela democracia, nem meus pais foram torturados pela ditadura.

Assisti a história passar como qualquer um popular exposto às angústias de cada momento.

Porque nossa história, meu filho, é angústia pura.

Começo pelo final dos anos 60, quando ainda era criança, com medo dos subversivos.

Sim. Os subversivos.

É que além de impor aulas de Organização Social e Política do Brasil, OSPB, além de nos obrigar a cantar o hino nacional pela manhã, o governo militar anunciava os males que os subversivos faziam ao País.

Nunca entendi bem o que era um subversivo.

Nunca conheci um. Mas tinha medo.

Um amigo, na época, desenhou uma história em 3 quadrinhos, ilustrando essa nossa primeira angústia.

No primeiro quadrinho, uma criança dormia em sua cama.

No segundo, um subversivo entrava pela janela.

Na terceira cena, um soldado do exército prendia o subversivo. Os quadrinhos ilustravam, mas não aliviavam a angústia, porque também tinha medo de soldados, pois no início dos anos setenta, havia o risco de ser pego por uma Veraneio circulando pela cidade cheia de soldados que faziam a gente desaparecer. Jornalistas, militantes, estudantes, artistas e terríveis comunistas. Então, pré-adolescente, tinha medo de subversivos, Veraneios, soldados e comunistas.

Nesses tempos, jogávamos futebol num terreno baldio perto de casa, imitando os craques da seleção de 70.

O campo era cercado por dois vizinhos.

Do lado direito, a casa da Velha Bruxa.

Quando a bola caia em seu quintal era batata: seria devolvida, por cima do muro, esfaqueada e inutilizada. A bola, não a velha.

Do lado esquerdo, uma delegacia da Polícia Federal onde, anos depois, soube que torturavam presos políticos.

Comparados com a Velha Bruxa, os policiais eram gente boníssima, pois quando não estavam distraídos torturando alguém, vinham bater uma bolinha e até davam dicas para nosso time.

Veio a abertura e trouxe com ela mais angústia.

Diziam que o futuro seria trágico se o Brasil não pagasse a dívida externa e controlasse a inflação. Tive medo do futuro.

Tancredo já havia morrido e José Sarney começava sua infrutífera luta contra o dragão da inflação, colocando nas ruas milhões de fiscais. Ingênuos que passavam vergonha em rede nacional, defendendo uma moeda sem valor.

Aí veio a angústia de quando Zélia e Collor tomaram o nosso pouco dinheiro.

Seguiu-se a angústia de mais um plano econômico, o Real, de Itamar e FHC.

Veio a eleição de Lula e a angústia da radicalização.

Não radicalizou, mas nos ofereceu a angústia da corrupção, dos pedalinhos às pedaladas de Dilma, seguidas da angústia da incerteza de Temer.

Incerteza que nos trouxe Bolsonaro, e a angústia do autoritarismo.

Então, quando eu estava tremendo de medo num canto da sala, veio a pandemia. A mãe de todas as angústias.
A História do Brasil que não está nos livros é essa.

Os militares impunham aulas de Organização Social e Política do Brasil, nos obrigavam a cantar o hino pela manhã e anunciavam os males que os subversivos faziam ao País

Cinquenta anos de angústia e medo.

Medo da violência, dos subversivos, da divida externa, interna, inflação, desemprego, corrupção, incerteza, autoritarismo e pandemia.

Agora dizem que Bolsonaro está mal das pesquisas.

Verdade que alivia um pouco a angústia da sua reeleição.

Quem sabe o próximo governo nos traga a paz, finalmente.

Alguém que acabe com nossos medos e ofereça apenas certezas.

Alguém que não nos surpreenda todos os dias com o inesperado.

Alguém, sei lá, como a Velha Bruxa da Bola.