21/05/2021 - 9:30
Você, que é jovem, está aprendendo uma História do Brasil pela metade na escola.
É que os livros didáticos não trazem o calor do momento. Trazem apenas os frios fatos.
Por isso, para quem não viveu na pele o último meio século, preparei esse relato pessoal.
É um testemunho confiável, pois sou isento.
Não lutei pela democracia, nem meus pais foram torturados pela ditadura.
Assisti a história passar como qualquer um popular exposto às angústias de cada momento.
Porque nossa história, meu filho, é angústia pura.
Começo pelo final dos anos 60, quando ainda era criança, com medo dos subversivos.
Sim. Os subversivos.
É que além de impor aulas de Organização Social e Política do Brasil, OSPB, além de nos obrigar a cantar o hino nacional pela manhã, o governo militar anunciava os males que os subversivos faziam ao País.
Nunca entendi bem o que era um subversivo.
Nunca conheci um. Mas tinha medo.
Um amigo, na época, desenhou uma história em 3 quadrinhos, ilustrando essa nossa primeira angústia.
No primeiro quadrinho, uma criança dormia em sua cama.
No segundo, um subversivo entrava pela janela.
Na terceira cena, um soldado do exército prendia o subversivo. Os quadrinhos ilustravam, mas não aliviavam a angústia, porque também tinha medo de soldados, pois no início dos anos setenta, havia o risco de ser pego por uma Veraneio circulando pela cidade cheia de soldados que faziam a gente desaparecer. Jornalistas, militantes, estudantes, artistas e terríveis comunistas. Então, pré-adolescente, tinha medo de subversivos, Veraneios, soldados e comunistas.
Nesses tempos, jogávamos futebol num terreno baldio perto de casa, imitando os craques da seleção de 70.
O campo era cercado por dois vizinhos.
Do lado direito, a casa da Velha Bruxa.
Quando a bola caia em seu quintal era batata: seria devolvida, por cima do muro, esfaqueada e inutilizada. A bola, não a velha.
Do lado esquerdo, uma delegacia da Polícia Federal onde, anos depois, soube que torturavam presos políticos.
Comparados com a Velha Bruxa, os policiais eram gente boníssima, pois quando não estavam distraídos torturando alguém, vinham bater uma bolinha e até davam dicas para nosso time.
Veio a abertura e trouxe com ela mais angústia.
Diziam que o futuro seria trágico se o Brasil não pagasse a dívida externa e controlasse a inflação. Tive medo do futuro.
Tancredo já havia morrido e José Sarney começava sua infrutífera luta contra o dragão da inflação, colocando nas ruas milhões de fiscais. Ingênuos que passavam vergonha em rede nacional, defendendo uma moeda sem valor.
Aí veio a angústia de quando Zélia e Collor tomaram o nosso pouco dinheiro.
Seguiu-se a angústia de mais um plano econômico, o Real, de Itamar e FHC.
Veio a eleição de Lula e a angústia da radicalização.
Não radicalizou, mas nos ofereceu a angústia da corrupção, dos pedalinhos às pedaladas de Dilma, seguidas da angústia da incerteza de Temer.
Incerteza que nos trouxe Bolsonaro, e a angústia do autoritarismo.
Então, quando eu estava tremendo de medo num canto da sala, veio a pandemia. A mãe de todas as angústias.
A História do Brasil que não está nos livros é essa.
Os militares impunham aulas de Organização Social e Política do Brasil, nos obrigavam a cantar o hino pela manhã e anunciavam os males que os subversivos faziam ao País
Cinquenta anos de angústia e medo.
Medo da violência, dos subversivos, da divida externa, interna, inflação, desemprego, corrupção, incerteza, autoritarismo e pandemia.
Agora dizem que Bolsonaro está mal das pesquisas.
Verdade que alivia um pouco a angústia da sua reeleição.
Quem sabe o próximo governo nos traga a paz, finalmente.
Alguém que acabe com nossos medos e ofereça apenas certezas.
Alguém que não nos surpreenda todos os dias com o inesperado.
Alguém, sei lá, como a Velha Bruxa da Bola.