Atriz familiarizada com as linguagens do teatro, cinema e televisão, Alessandra Negrini decidiu, junto com os criativos de seu mais novo trabalho, o híbrido “A Árvore”, transformar a inquietação em arte e pensar em coisas além da pandemia.

Criada durante o isolamento social, a obra de ficção poética estreia dia 26 de fevereiro para 24 apresentações na plataforma digital Tudus de sexta a domingo, integrando a programação online do Teatro FAAP. Produção de Alessandra Negrini e Gabriel Fontes Paiva, texto de Silvia Gomez, criação e roteirização de Ester Laccava, que assina direção com João Wainer.

Alessandra Negrini costuma brincar dizendo que A Árvore é “a peça que nasceu filme, um produto muito interessante, um produto da pandemia.” Antes da obra estrear, Alessandra pode ser vista no streaming na nova série da Netflix, Cidade Invisível, que mistura thriller e folclore, em oito episódios.

Para dar corpo ao trabalho em A Árvore, a atriz uniu-se a Gabriel Fontes Paiva para produzir e ambos aguardaram a escrita do texto proposto por Silvia Gomez, a partir de uma pesquisa da autora – Prêmios APCA e Aplauso Brasil de melhor dramaturgia em 2015 por “Mantenha fora do alcance do bebê” – sobre anomalias, metamorfoses, estranhamentos e delírios, tema de texto anterior escrito para o Centro de Pesquisa Teatral (CPT) em 2019.

Para a direção, Alessandra havia convidado Ester Laccava, com quem trabalhara em Uísque e Vergonha (direção de Nelson Baskerville, 2019). “Conhecia o gênio criativo de Ester, sabia que estaria em boas mãos. Aí veio a pandemia. Ficamos com o projeto parado e Ester topou fazer a peça online.”

Um artista nunca vai deixar de se expressar. A pandemia nos obrigou a seguir caminhos fora do planejado e do que estamos acostumados. Isso irá refletir nas pesquisas dos criadores. Foi muito bom trabalhar em novas linguagens e com artistas de outras áreas”, comenta o produtor Gabriel Fontes Paiva

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Biologia e literatura fantástica

O primeiro monólogo da Silvia Gomez, trata de um movimento vertical da personagem, uma mulher que, após uma grande perda, vê seu corpo transformar-se em uma estrutura vegetal. Uma das inspirações de Silvia Gomez veio na forma de imagem. “Um dia, regando uma planta na estante, vi um fio do meu cabelo preso a ela. Pedi para meu filho fotografar e transformei o episódio em textos.

Nesta peça, ele disparou a cena da metamorfose, elaborando a sensação de certa forma delirante (ou não, rs) de ter sido agarrada por aquela planta, como se ela tivesse algo a dizer.” Ao sopro da ideia, juntou-se a pesquisa em livros como “Revolução das plantas”, do biólogo Stefano Mancuso. Para Silvia, a peça pergunta sobre nossa relação de amor e ruínas com esta casa, o planeta. “O Mancuso fala sobre como precisamos adotar a metáfora das plantas para pensar nosso futuro coletivo. E talvez tentar sentir como árvore, pensar como árvore e agir como árvore seja uma forma de buscar novas perguntas – e respostas – para essa relação”.

Admiradora do fantástico, conta que tenta fazer com esta peça um agradecimento à literatura fantástica, ao teatro do absurdo e a outras escritas vertiginosas, fontes de formação e alimentação artística, entre elas nomes como Kafka, Murilo Rubião, Ionesco, Clarice Lispector e Silvina Ocampo.

“As personagens que escrevo são essas que, de repente, olham para a realidade, mas não cabem mais nela, adentrando então um espaço de delírio que, para mim, é na verdade, extrema lucidez. Justamente como o real sempre me pareceu – e agora terrivelmente mais – delirante”, completa Silvia Gomez, indicada ao Prêmio Shell de dramaturgia em 2019 por “Neste mundo louco, nesta noite brilhante”.

Ensaio

Durante os primeiros quatro meses de ensaio, Ester Laccava concebeu, ainda sozinha, a encenação para a câmera, e debruçou-se sobre a criação e a roteirização, e os outros quatro meses seguintes, regeu toda a equipe criativa para a realização e finalização do trabalho. “Fico impressionadíssima com a imaginação da Ester”, elogia Alessandra, ressaltando o trabalho da encenadora.

“O processo começou já numa fotossíntese imediata dentro de mim, revendo filmes com outro olhar, já não de espectadora. Foram oito meses intensos de trabalho, sabendo que não poderia ter Tim Burton como referência (risos), e que o teatro viria como origem de tudo, mas não como manifestação real nesse momento. Deixei meus cavalos soltos para correr nessas duas vias (teatro/cinema) e busquei revelar em imagens, intensões, conexões, fluxos de narrativa, inserções metafóricas, a transformação de um ser humano ao se dar conta que é só no espelho da mãe natureza que nós humanos podemos fazer ainda algum sentido neste planeta”, detalha Ester.

Como numa peça, foram levantados cenário e figurino, além de Ester fazer questão de usar um teatro como locação, o da FAAP, desafiando ainda mais esse híbrido. As externas foram captadas na mata da Serra da Mantiqueira e nas ruas do Centro de São Paulo.

Direção

Como a intenção não era fazer uma peça filmada, seria fundamental ter o olhar de um diretor de cinema. Assim entrou na equipe criativa João Wainer, “um profissional em quem confio, um artista brilhante, também com sua genialidade.” A partir daí, Ester e João trabalharam juntos na direção.


“João Wainer chega para ser o “através” entre encenação e plateia, pois é por meio da câmera que poderemos ter mais público nesse momento, o público seguro em suas casas. Pela primeira vez criei pensando na câmera como moldura da cena, enquadramento detalhado daquilo que entende ser o mais importante para o espectador olhar”, diz Ester, 39 anos de carreira, indicada a Melhor Atriz para o prêmio APCA 2019 por Ossada e indicada ao Shell de Melhor Atriz por A Festa de Abigaiú.

João Wainer conta que entrou no processo como um tradutor para a linguagem do cinema do que estava sendo concebido para o teatro. “Elas me explicavam o que tinham imaginado para a cena e eu apresentava soluções para funcionar na tela do cinema. A parte conceitual, a construção das cenas, foi toda feita nos ensaios pela Ester”, afirma João.

O cineasta acredita na qualidade de um produto dirigido a quatro mãos. “Eu e Ester viemos de experiências diferentes e, ao mesmo tempo, absolutamente complementares. Dirigir a quatro mãos é um aprendizado muito interessante,” diz ele, que fez seu primeiro longa de ficção 4X4, com Chay Suede, Mariana Lima e Alexandre Nero, e está na segunda temporada da série documental sobre o PCC, Primeiro Cartel da Capital.

Serviço

EspetáculoA Árvore

Idealização e interpretação – Alessandra Negrini

Texto de Sílvia Gomez

Criação e roteirização – Ester Laccava

Direção – Ester Laccava e João Wainer

Ingressos – R$30

Duração – 70 min

Classificação etária – 14 anos. Em plataforma digital no Teatro FAAP na plataforma da Tudus



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