Em maio do ano passado, quando a inflação medida pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) deu um salto, subiu quase 0,5 ponto em apenas um mês e o mercado começou a projetar que a inflação oficial em 2016 passaria de 7%, o economista Heron do Carmo, professor da Universidade de São Paulo e um dos maiores especialista em inflação, foi na contramão. Na época, ele afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que era grande a possibilidade de que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficasse no teto da meta 6,5%. O economista errou por pouco. No ano passado o IPCA atingiu em 6,29%.

Para este ano, Heron diz que está “realista”. A sua expectativa é que em agosto, a inflação acumulada em 12 meses poderá recuar para 4% ou até menos do que isso, fechando o ano em torno de 4%. Isso confirma as previsões do Banco Central. Ele acredita que a inflação mais baixa ajudará em alguma retomada da economia ainda em 2017. “Marginalmente, a economia vai melhorar porque estamos entrando numa espiral virtuosa, que uma notícia boa leva a outras notícias boas”, diz Heron.

De acordo com o economista, existe uma demanda reprimida muito grande, especialmente da população que tem recursos e não consumiu nos últimos tempos por medo. “Depois de tanta desilusão, as coisas estão se normalizando. Talvez, seja a hora, como diz a música do Paulinho da Viola, de tirar a viola do fundo baú.” A seguir os principais trechos da entrevista.

Como sr. avalia o resultado IPCA de 2016 e a perspectiva para a inflação deste ano?

O resultado de 2016 não surpreendeu. Eu já esperava um inflação abaixo do teto da meta por conta do tamanho da recessão. Na verdade, contava com um comportamento melhor dos preços dos alimentos, que ocorreu, mas para o final do ano. Até agosto a inflação foi um desastre. É justamente isso que aponta para uma situação melhor este ano. Como a inflação ficou acima do esperado até agosto, agora há um espaço para redução significativa do índice em 12 meses até agosto. Temos também um fator importante que é a indexação. Ou seja, os contratos neste ano serão indexados por uma taxa menor do que a do ano passado. Isso inclui escola, tarifas, planos de saúde e até mesmo a indexação informal. Outro efeito importante no índice será exercido pela alimentação pela reversão do impacto do El Niño na safra. Mesmo com a recuperação da economia, a atividade continuará muito aquém do início do ano passado, o que deve levar à queda nos preços dos serviços. A minha estimativa é que nós cheguemos em agosto com uma inflação em 12 meses na faixa de 4%, podendo até ser inferior. E depois no final do ano pode ser que ocorra alguma recuperação. Depende muito da situação de alguns alimentos. Muito provavelmente a inflação deve fechar o ano em torno de 4%. Do ponto de vista de 2017, eu diria que o jogo está praticamente jogado em termos de inflação. A menos que ocorra um choque.

O sr. acha que a queda da inflação abre espaço para a volta do crescimento?

Ajuda o crescimento. Pode fazer com que se tenha um ciclo mais longo de queda da taxa de juros, com responsabilidade. A queda dos juros facilita a questão financeira de famílias, das empresas e do crédito. Ajudará alguma retomada da economia em 2017.

Quanto o sr. está prevendo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2017?

Acho que essa previsão vai se alterar muito ao longo do ano. Se acompanharmos o Boletim Focus, começa com 0,5% e tende a melhorar nos próximos meses. Marginalmente a economia vai melhorar porque estamos entrando numa espiral virtuosa que uma notícia boa leva a outras notícias boas.

Mas há no País 12 milhões de desempregados…

O desemprego vai demorar para melhorar. O desemprego tem algo interessante, que é o desalento. A economia pode começar a melhorar e aumentar o desemprego. Isso porque os desalentados podem voltar a procurar emprego. O desemprego tem essas armadilhas, esses paradoxos.

Então o sr. está otimista para 2017 e a inflação é uma peça importante nesse otimismo?

Basta ver o que ocorreu a partir do final do ano passado com a divulgação de índices de inflação mais favoráveis. A inflação vai ser o drive para puxar o ritmo de atividade.

O sr. espera deflação em algum momento do ano?

Como se tem uma safra agrícola muito boa neste ano, em outras oportunidades março apresentou deflação. Não sei se vai acontecer neste ano, mas certamente teremos uma inflação muito inferior em março deste ano em relação a março do ano passado. Deveremos ter um ganho de inflação, de forma conservadora, de 0,70 ponto porcentual em janeiro, de 0,30 em fevereiro, e podemos ter algo em torno de 0,30 em março, comparativamente aos mesmos meses do ano anterior. Isso daria 1,3 ponto porcentual de recuo da inflação em três meses. Ou seja, a inflação pode chegar ao final de março em 5%, na conta de 12 meses. Se a inflação chegar ao final de março em 5%, haverá um espaço considerável para a redução da inflação nos outros meses até agosto. Essa projeção é mais conservadora do que a do Focus.

Então o sr. não vê mais a inflação como um problema?

Estou vendo a inflação deste ano muito parecida com a inflação de 2006, quando o IPCA foi de 3,14%. Tivemos uma inflação muito alta em 2002, 2003, por causa da eleição, depois a economia entrou numa fase favorável, inclusive do ponto de vista de agricultura, e fechou em 2006 em 3,14%. A inflação de 2006 chegou a acumular 2,99% em 12 meses. Esse ano é muito parecido. Acho que a inflação pode surpreender para baixo. Em maio, para mim, a inflação deve recuar para o centro da meta (4,5%). Aí será o momento adequado para começar a pensar em reduzir a meta para não cair na armadilha que se entrou o governo Lula em 2006. Naquela época, ele manteve a meta com a inflação abaixo da meta.

Por que o governo deve reduzir a meta?

Para ancorar e garantir a continuidade da queda da inflação. Estamos no caminho, a depender das eleições e do próximo governo, de fazer com que a inflação convirja para algo em torno de 3%. Se, de fato, ocorrer esse recuo da taxa de inflação mais significativo, seria o caso de repensar a meta de inflação. Já perdemos antes essa oportunidade. Perdemos em 1999 porque tinha um desajuste no setor externo. Não temos mais. Perdemos em 2006 por um problema de voluntarismo de política econômica, não temos mais isso. Isso justificaria o rigor do BC. O setor externo está ajustado com o câmbio flexível, o sistema de preços está mais flexível, está mais pró mercado, porque o papel das agências reguladoras, ao que tudo indica, será mais adequado, e a questão do petróleo… Não tem mais essa história de dar subsídio ao automóvel só para manter a inflação mais baixa. A situação de alimentos também deve continuar favorável nos próximos anos, a crise deve fazer com que os serviços percam força. Tudo isso torna muito real a possibilidade de reduzir a inflação para abaixo de 4% em 2018. E sabemos que queda de inflação é o melhor cabo eleitoral. Até do ponto de vista político é uma coisa boa.

E o investimento quando vai voltar?

Acho que as concessões vão destravando ao longo do tempo. A crise foi muito profunda. Vai ter aquele investimento necessário para retomar a atividade econômica. Talvez a parte de infraestrutura comece a andar. Mas entre fazer a concessão e a obra sair, vai tempo. Tem a construção civil que pode retomar. Mas investimentos mais significativos acho que provavelmente só em 2019, com o novo governo.

Então o sr. está otimista?

Estou realista. As perspectivas melhoraram. O que dá alento a isso é que agora nós temos basicamente um governo, um executivo articulado com o legislativo, parece um parlamentarismo, que o parlamento talvez, devido à crise econômica ele está concordando com as reformas. Outra coisa é que a crise afetou tanto a sociedade, inclusive categorias que ficaram à margem do processo, como funcionários públicos em alguns estados, que a sociedade ficou mais permeável a reformas. Ou seja, não há um ambiente tão desfavorável a reformas, mesmo reformas duras, como a da Previdência. E a reforma da Previdência é a rainha de todas as reformas. Com ambiente melhor, há possibilidade de começar a encaminhar a reforma tributária.

O que pode frustrar esse cenário?

A tensão geopolítica internacional pode causar confusão. Outra coisa é que temos um risco político muito grande. Tem essa questão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de impugnar a chapa Dilma-Temer. Mas depois de tanta desilusão, as coisas estão se normalizando. Talvez seja a hora, como diz a música do Paulinho da Viola, de tirar a viola do fundo baú. Como diz o ditado: não há bem que sempre dure e mal que nunca se cabe. Existem ciclos. Há uma demanda reprimida grande, muita gente com condições de comprar e que não compra porque tem medo. Com esse clima mais favorável, as coisas vão começar a andar.