“Diga ao povo que fico”. A célebre frase dita por D. Pedro I em janeiro de 1822 foi vista pelos portugueses como um ato de arrogância e rebeldia do então príncipe regente. No Brasil, o acontecimento foi festejado como uma decisão democrática, seguindo a vontade do povo. O Dia do Fico, há 200 anos, não foi só uma materialização da queda de braço entre o reino de Portugal e a colônia brasileira, mas o início de confrontos violentos, principalmente na região Nordeste do País, que culminariam mais tarde na Independência. Nos bastidores, quatro mulheres destemidas lutaram mostrando garra, força, coragem, destreza e mudaram os rumos da história em uma demonstração da força feminina do século XIX.

Salvador vivia dias de tensão, moradores eram obrigados a abandonar a cidade com a família enquanto viam tropas portuguesas saquear suas casas e assassinar parentes. Já passava do meio dia de 20 de fevereiro de 1822 quando soldados de Portugal tentaram invadir o Convento da Lapa sob o pretexto de que ali se abrigavam rebeldes. Os soldados foram recebidos pela abadessa Joana Angélica de Jesus, senhora conhecida e admirada por sua virtude e religiosidade junto a população residente nas cercanias da igreja. Aos 60 anos, ela se colocou diante da porta para proteger as demais irmãs que tentavam fugir pelos fundos. “Para trás, bárbaros! Respeitai a casa de Deus! Só entrarão passando por cima do meu cadáver!”, teria dito antes de ser golpeada por uma baioneta e morrer em seguida. Joana Angélica se tornou um símbolo de resistência contra o autoritarismo português e a primeira mártir do movimento de independência que ocorreria sete meses mais tarde.

GUERREIRAS Maria Felipa (no alto) incendiou mais de 40 barcos de Portugal. Maria Quitéria (acima) foi a primeira mulher a entrar no Exército Brasileiro (Crédito:Divulgação)

Joana Angélica não foi a única baiana que entregou sua vida heroicamente pela liberdade. A negra liberta Maria Felipa ajudou a frear o avanço das tropas portuguesas pelo território brasileiro. Trabalhadora braçal, pescadora e marisqueira, ela liderou um grupo de 200 colegas em batalhas contra os portugueses que atacaram a ilha de Itaparica. Com a ajuda de outras mulheres, usou seu charme e seduziu os portugueses conduzindo-os à morte. Armadas de facões e galhos, surravam os navegadores que desembarcavam na ilha e ateavam fogo aos seus barcos. Somente o grupo de Maria Felipa queimou 40 embarcações portuguesas.

Nossa Joana D’Arc

Maria Quitéria, talvez a mais famosa das mulheres separatistas, sabia montar, caçar e manejar armas de fogo. Ela fugiu de casa, disfarçou-se de homem e lutou contra os portugueses, numa época em que às mulheres deveriam obedecer ao pai ou ao marido e cuidar da casa e dos filhos. Comparada a Joana D´Arc no Brasil, ela foi a primeira a entrar no Exército. “Além da independência oficial, essas mulheres travaram outra guerra de independência que durou até 1823. Se temos os patronos, por que não nomeá-las como as verdadeiras patronas?”, indaga o professor de história do Colégio Presbiteriano Mackenzie, Victor Missiato.

Além das baianas, outra mulher que foi essencial na Proclamação da Independência foi a Imperatriz Maria Leopoldina, principalmente na diplomacia entre o Brasil e países europeus, como a Áustria, onde seu pai era imperador, no reconhecimento da libertação. Foi apenas no dia 2 de julho de 1823, quase um ano depois do Grito do Ipiranga, que declarou-se a expulsão definitiva dos portugueses. A Bahia, nessa data, celebra a sua independência. Em julho de 2018, Maria Felipa, Joana Angélica de Jesus, Maria Quitéria e a imperatriz Maria Leopoldina foram declaradas Heroínas da Pátria Brasileira. Já era a hora.