Depois de breves momentos de euforia no entorno da candidatura do ex-presidente Lula diante da possibilidade de a eleição ser resolvida já no primeiro turno, seu núcleo de campanha volta a colocar os pés no chão e parte para a estratégia de tentar cooptar outras candidaturas — e assim reverter a tendência verificada hoje de que haverá segundo turno. Estatísticos e cientistas políticos ouvidos por ISTOÉ são unânimes em afirmar que é pequena a chance de Lula liquidar a fatura já no próximo dia 2 de outubro. Afinal, Jair Bolsonaro vem diminuindo a distância que o separa de Lula. Com a máquina nas mãos, o presidente começa a colher os frutos do seu pacote de bondades — com destaque para a redução do preço dos combustíveis e o início do pagamento do Auxílio-Brasil de R$ 600.

O especialista em estatísticas Neale El-Dash, que trabalha com pesquisas eleitorais há mais de 20 anos, observa que os últimos levantamentos divulgados sobre a corrida para a Presidência confirmam que Bolsonaro está ficando mais perto de Lula. Os dados o levam a ser taxativo: “A probabilidade de Lula vencer a eleição no primeiro turno é muito pequena, de exatos 0,7%”. Ele explica que neste momento, levando em conta todas as pesquisas publicadas até hoje, a chance de haver segundo turno é de quase 99%. “No caso do Lula, a previsão hoje é que ele tenha entre 36% e 44% das intenções de voto, e Bolsonaro, entre 30% e 38%”, explica.

Sobre quem deve se sair melhor nas urnas no dia 2 de outubro, a probabilidade de o resultado ser favorável a Lula é grande. “A possibilidade de Lula ter mais votos no primeiro turno é de 98%.” Vencer o turno, não a eleição”, esclarece. Ainda de acordo com a análise estatística, existe a possibilidade — de somente 2% — de que Bolsonaro possa ter mais votos do que Lula na primeira etapa do pleito. “Historicamente, a probabilidade maior é de haver segundo turno”, diz o cientista político Antonio Lavareda, do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe). Ele lembra que, desde a redemocratização, a vitória no primeiro turno só ocorreu duas vezes nas oito eleições realizadas até aqui: em 1994 e 1998, com a vitória de Fernando Henrique Cardoso contra Lula e, em ambos os casos, por margens estreitas. “Há um sinal, na intenção de voto espontânea, de que haveria possibilidade de a eleição ser resolvida por estreita margem, ainda no primeiro turno”, diz.

“Historicamente, a probabilidade maior é de haver segundo turno. A vitória no primeiro turno só ocorreu duas vezes nas oito eleições realizadas após a redemocratização: em 1994 e 1998” Antonio Lavareda, cientista político

Para Lavareda, contudo, é prematuro afirmar se esta eleição ainda tem chances de ser decidida no primeiro turno. “A campanha no rádio e na televisão ainda nem começou (terá início no próximo dia 26) e ela pode ser decisiva para consolidar o quadro.” Mas isso dependerá, segundo ele, de dois fatores: a qualidade das campanhas — se Lula fizer uma campanha melhor que os adversários, pois tem mais tempo na TV – e, em segundo lugar, dependerá de fatores conjunturais, que podem levar o eleitor a desejar definir a eleição já no primeiro turno. Ainda de acordo com o cientista político, as circunstâncias do mês de setembro, especialmente na segunda quinzena, é que definirão se haverá ou não segundo turno.

O vale tudo de Lula

Sobre a estratégia de Lula de tentar cooptar as candidaturas concorrentes, sobretudo as que estão ao centro do espectro político, Lavareda considera a iniciativa “inteligente” do ponto de vista da estratégia do petista de tentar vencer no primeiro turno. “Mas não consigo saber se essa movimentação vai prosperar para além do que já prosperou.” Ele dá como exemplos dessa movimentação o que aconteceu com André Janones (Avante), que retirou sua candidatura para apoiar o petista, e Luciano Bivar, presidente do União Brasil, que abriu mão da candidatura e indicou a senadora Soraya Thronicke para a disputa. Outro ponto questionável dos petistas é a pressão em torno de lideranças do MDB. Lula chegou a propor a retirada da candidatura de Simone Tebet (MDB), em troca de viabilizar o nome do presidente do partido, deputado Baleia Rossi, para presidente da Câmara em 2023. O MDB refutou o assédio petista. Baleia disse à ISTOÉ que a candidatura de Simone é para valer, irá para o segundo turno e a senadora se tornará presidente.

“É difícil fazer prognósticos sobre o resultado das urnas no primeiro turno”, diz a cientista política Helcimara Telles, presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel) e professora da UFMG. Ela chama a atenção, entretanto, para a estratégia de Bolsonaro, evidenciada nos últimos dias pela primeira-dama Michelle, de tentar consolidar o eleitorado evangélico e resgatar as “ovelhas perdidas” que podem ter se afastado da base do presidente. “Ele trabalha fortemente pelo eleitorado evangélico, sobretudo o feminino, com o discurso da mulher virtuosa verbalizado pela Michelle.” Em relação à tentativa de Lula de se aproximar de partidos dos mais variados espectros, inclusive da centro-direita, como o União Brasil, a pesquisadora avalia que o petista pode perder parte dos seus apoiadores mais ideológicos. “Numa frente democrática cabe muita coisa. Mas não cabe tudo”, pondera.