Uma calma precária reinava em Porto Príncipe, nesta terça-feira (12), após o anúncio da renúncia do primeiro-ministro do Haiti, Ariel Henry, que não põe fim à dúvida sobre se as gangues que controlam grande parte do território dariam uma trégua ao empobrecido país caribenho.

Questionado há tempos pela comunidade internacional e em seu país, Henry aceitou na segunda-feira “a instauração de um conselho presidencial de transição” e destacou que continuaria “tramitando os assuntos correntes até a nomeação de um primeiro-ministro e um governo”, em um vídeo publicado à noite.

Sua renúncia ocorreu após uma reunião de emergência sobre o Haiti, convocada em Kingston pela Comunidade do Caribe, da qual participou o secretário de Estado americano, Antony Blinken.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, tomou nota do acordo político no Haiti e instou as partes envolvidas “a agirem de forma responsável e dar passos” para sua instauração, segundo seu porta-voz, Stéphane Dujarric.

O objetivo é “restabelecer as instituições democráticas mediante eleições pacíficas, críveis, participativas e integradoras”, acrescentou.

Mas pouco depois, a comunidade internacional viu um de seus projetos para reduzir a violência no Haiti, o envio de uma missão liderada por policiais quenianos, sofrer um contratempo.

O Quênia decidiu suspender seu envolvimento nesta força devido a uma “mudança fundamental nas circunstâncias em consequência da ruptura total da lei e da ordem e da posterior demissão do primeiro-ministro do Haiti”, disse à AFP o secretário principal de Relações Exteriores do país africano, Korir Sing-oei.

Os Estados Unidos relativizaram este anúncio dizendo que um acordo de transição permitirá estabelecer um novo governo, como quer Nairóbi, e que não considera necessário atrasar a missão internacional.

– Grave crise alimentar –

Diante da insegurança constante, o país mais pobre das Américas sofre uma grave crise humanitária.

O encarregado do Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU no Haiti, Jean-Martin Bauer, disse em nota nesta terça-feira que o país caribenho vive “uma das crises alimentares mais graves do mundo”, com “1,4 milhão de haitianos à beira da inanição”.

“Esperamos uma trégua, mas a situação em Porto Príncipe é difícil há tempos, inclusive antes das últimas semanas”, disse à imprensa por videoconferência.

“No Haiti, neste momento, levar as crianças para a escola, ir ao supermercado, trabalhar… Todas essas coisas são extremamente arriscadas”, acrescentou.

A capital, controlada em grande parte pelas gangues, “é uma bolha. Não há forma de entrar, nem sair, e por enquanto não podemos trazer comida. Mas temos um armazém e os alimentos contidos ali são distribuídos prioritariamente à população deslocada”, segundo Bauer.

– Nova governança –

A posição de Henry, no poder desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em 2021, era cada vez mais frágil desde o começo de março, quando as principais gangues armadas se aliaram para exigir sua renúncia e mergulhar o país na violência desenfreada.

O governante deveria ter deixado o cargo em fevereiro, mas fez um acordo com a oposição e adiou ainda mais a convocação das eleições, em um país que não realiza eleições desde 2016.

O governo de Henry será substituído por um conselho presidencial de transição formado por sete membros que representarão os principais partidos políticos do país, o setor privado e o Acordo Montana, uma coalizão que havia proposto um governo interino após o assassinato de Moïse.

Seus membros vão enfrentar uma situação muito complexa em um país submetido às gangues, que multiplicam os ataques contra as forças de segurança e locais estratégicos como o palácio presidencial, delegacias ou prisões.

O principal líder destes grupos criminosos, Jimmy Chérizier, apelidado de “Barbecue”, declarou na segunda-feira, em um vídeo publicado antes da renúncia de Henry, que não tinha a intenção de respeitar um governo decidido fora do país.

“O Haiti não pertence à Caricom. O Haiti pertence aos haitianos”, disse este ex-policial. Não vamos reconhecer um governo formado pela Caricom ou outras organizações. Ninguém vai nos dar lições”.

Segundo a Organização Internacional para as Migrações, atualmente há 362.000 deslocados no Haiti, número que aumentou 15% desde o começo do ano.

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