“Vermelho” – nome de guerra de Walter Delgatti Neto, o hacker de Araraquara apontado como peça-chave na intriga que tornou explícitos desvios de conduta na condução da Operação Lava Jato – passou a trabalhar diretamente com o círculo bolsonarista às vésperas da eleição do ano passado e, segundo disse em depoimento à Polícia Federal, participou de uma tentativa frustrada de invadir o sistema das urnas eletrônicas. O hacker disse que foi financiado pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e sugeriu em seu relato, que a investida foi incentivada pelo então presidente Jair Bolsonaro, com quem ele se encontrou pessoalmente no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência.

Delgatti foi preso preventivamente pela PF nesta quarta-feira, 2, sob a acusação de introduzir nos cadastros eletrônicos do Banco Nacional de Mandados de Prisão – administrado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – 11 alvarás de soltura e um mandado de prisão falso, contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Foi o próprio Moraes, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) quem emitiu o mandado de prisão contra Delgatti. Também foram emitidos mandados de busca e apreensão contra a deputada Carla Zambelli (PL-SP) e outras duas pessoas, assessores de Zambelli. Os mandados foram cumpridos na residência da deputada, em São Paulo, e no seu gabinete, em Brasília. Foram apreendidos o passaporte de Zambelli, dois telefones celulares e um disco rígido de computador.

‘À disposição’

No depoimento prestado no dia 27 de junho, Delgatti relata ter tido contatos com a deputada a partir de setembro do ano passado, quando ela o procurou – de acordo com ele, o interesse de Zambelli era encontrar fragilidades o sistema de votação. A partir do mês seguinte, passou a receber pagamentos “para ficar à disposição” da deputada. Em outubro de 2022 veio o primeiro pagamento, no valor de R$ 3 mil. O hacker disse que os repasses foram efetuados por um assessor da parlamentar, “chamado Jean, por transferência bancária e em dinheiro em espécie, levado pelo motorista da deputada, Renan”.

Depois, recebeu transferências via Pix de R$ 13,5 mil – R$ 10,5 mil enviados por Renan César Silva Goulart, que atuaria como assistente parlamentar do deputado estadual em São Paulo Bruno Zambelli, irmão de Carla, e ex-secretário da parlamentar; e R$ 3 mil de Jean Hernani Guimarães Vilela, que atua como secretário parlamentar de Zambelli desde maio. Renan e Jean também foram alvo de busca e apreensão e tiveram seus sigilos bancários quebrados por ordem de Moraes.

Segundo Delgatti, foi Zambelli quem escreveu o mandado de prisão falso inserido no BNMP. De acordo com “Vermelho”, a deputada lhe pediu que, caso não conseguisse hackear as urnas, que obtivesse “conversas comprometedoras” de Alexandre de Moraes.

O hacker alegou que explorou a plataforma do CNJ para encontrar uma vulnerabilidade e, quando conseguiu achar uma porta de entrada, contatou Zambelli dizendo que conseguiria emitir um mandado de prisão em desfavor de Alexandre, como se fosse o próprio ministro o autor do documento.

Segundo o hacker, Zambelli “ficou empolgada”, fez o texto e enviou para que ele publicasse. Delgatti alegou que “fez algumas alterações, pois o português estava meio ruim, e emitiu o mandado de prisão e o bloqueio de valores, no exato valor da multa aplicada ao PL” – de R$ 22 milhões, em razão do ataque às urnas eletrônicas.

Código

No encontro no Palácio da Alvorada, o então presidente teria perguntado a Delgatti “se munido do código fonte, conseguiria invadir a urna eletrônica”. A tentativa de invasão do sistema de votação não prosperou. O hacker relatou que o acesso concedido pelo TSE era local – ou seja, seria preciso estar nas dependências da Justiça Eleitoral para acessar o sistema. O depoimento registra que ele “não conseguiu invadir o TSE, mesmo após diversas tentativas, pois o código fonte da urna eletrônica não fica hospedado em um computador com acesso à internet, mas fica em um computador offline, não sendo possível o acesso externo”.

Em coletiva após a operação, a deputada tentou desvincular o ex-presidente Jair Bolsonaro do caso. “O presidente Bolsonaro absolutamente não teve nada a ver com isso”, afirmou. Ela admite ter contratado Delgatti, mas disse que sua função era realizar serviços relativos às redes sociais da parlamentar.

‘Vaza Jato’

Quando foi contactado por Zambelli, Delgatti já era bem conhecido da polícia. Ele é apontado como responsável pelo vazamento de conversas do ex-juiz Sérgio Moro e de membros do Ministério Público, no caso que ficou conhecido como “Vaza Jato”. As mensagens demonstraram que Moro (hoje senador pelo União Brasil- PR) e o chefe da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol (deputado federal cassado) combinavam ações, atitude que não é permitida pela lei brasileira. Ontem foi a terceira vez que foi preso por crime cibernético. A primeira foi na Operação Spoofing, originada pelos vazamentos na Lava Jato. A segunda quando desobedeceu os termos de sua liberdade condicional, que o impediam de usar computadores com acesso à internet.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.