Desde a Operação Lava Jato, a cada escândalo que envolve dinheiro público e políticos ressurge a expressão “organização criminosa”. Ou ORCRIM, no jargão de promotores e policiais. E lá está ela novamente, no pedido do Ministério Público e na decisão judicial que, na manhã de ontem, levaram à prisão Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro.

Segue um trecho do pedido do MP: “as movimentações bancárias atípicas e o contexto temporal nas quais foram realizadas resultam em evidências contundentes da função exercida por FABRÍCIO JOSÉ CARLOS DE QUEIROZ como operador financeiro na divisão de tarefas da organização criminosa investigada, tanto na arrecadação dos valores desviados da ALERJ quanto na transferência de parte do produto dos crimes de peculato ao patrimônio familiar do líder do grupo, o então Deputado Estadual FLÁVIO NANTES BOLSONARO.”

Pois é. Agora há uma ORCRIM associada ao sobrenome Bolsonaro.

Queiroz aparece como “operador financeiro”, enquanto Flávio Bolsonaro é descrito como “líder”.

Uma consequência direta de se enquadrar todo esse esquema como organização criminosa é que o ex-assessor parlamentar, mais cedo ou mais tarde, será convidado a fazer uma delação premiada.

Segundo a prática que se consolidou a partir da Lava Jato, delações precisam obedecer ao “princípio da escalada”. Só são aceitas quando aproximam os investigadores do topo da ORCRIM.

Se Queiroz oferecer provas que Flávio Bolsonaro orquestrava a maracutaia, poderá se livrar da cadeia.

Por enquanto existem apenas “evidências contundentes” de que dinheiro que deveria compor o salário de servidores públicos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro foi desviado de maneira recorrente para pagar contas pessoais de Flávio Bolsonaro. Esse desvio de verbas públicas tipifica o crime de peculato.

A sentença do juiz Flávio Itabaiana Nicolau se detém sobre dois tipos de operação. Aparentemente, R$ 153.237,65 sem origem definida foram usados para quitar mensalidades da escola das filhas de Flávio Bolsonaro, enquanto outros R$ 108.407,98 teriam servido para pagar o seguro de saúde da família. São R$ 261.645,63 no total. Dinheiro público que, em tese, não pertencia ao atual senador e o ajudou a se livrar de alguns boletos salgados.

Algum bolsonarista talvez venha a dizer que esse valor não se compara aos bilhões desviados da Petrobras pelo PT e seus apaniguados. Verdade. Mas é um argumento que não pode ser levado a sério.

Um pequeno escroque ainda é um escroque. Talvez não tenha feito algo mais audacioso por falta de oportunidade. Ou talvez seja uma questão de mentalidade. Uma pesquinha ilegal aqui, uma funcionariazinha fantasma ali… Não vamos chamar essas coisas de crime, tá ok?

Do ponto de vista jurídico, ainda há muita água para rolar debaixo da ponte. O gabinete de Flávio Bolsonaro divulgou nesta sexta-feira uma nota afirmando que ele jamais teve contas pagas com dinheiro desviado. Seriam apenas “ilações dos promotores”. Não há culpa antes do fim do processo.

Do ponto de vista político é outra coisa.

O bolsonarismo erigiu a sua estátua sobre o pedestal da honestidade, da intolerância com a corrupção. A erosão do pedestal começa quando as palavras Bolsonaro e ORCRIM aparecem lado a lado.

A hipocrisia é um vício detestado desde sempre. A Bíblia já condenava os hipócritas com termos fortes. A literatura retratou e castigou o falso moralista numa comédia negra, o Tartufo, de Moliére. A política é um palco que muitas vezes recompensa os hipócritas, mas a queda, quando vem, é sempre dura.