Nicolás Maduro tomou posse para um terceiro mandato presidencial na Venezuela nesta sexta-feira, 10, em meio a uma nova e violenta série de arroubos autoritários contra opositores e manifestantes que questionam os resultados da reeleição do chavista, em julho de 2024.
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Para Juan Pappier, subdiretor para as Américas da ONG (Organização Não Governamental) Human Rights Watch, a crescente repressão representa uma “violação massiva de direitos humanos” e de todos os elementos que compõem uma democracia.
A organização lista denúncias de detenções arbitrárias, assassinatos, execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e crimes de tortura no país e pede maior participação dos países da região, como o Brasil, no gerenciamento da crise migratória e para pressionar por uma transição democrática na Venezuela.
Retratos de autoritarismo
DW: Após as eleições de julho, vocês reportaram um aumento da repressão na Venezuela. De que tipo de repressão estamos falando?
Juan Pappier: O que documentamos após as eleições foi que houve 23 manifestantes mortos, em muitos casos com responsabilidade das forças de segurança de Maduro ou dos coletivos [grupos de civis armados que operam sob ordens de Maduro].
Além disso, documentamos dezenas de detenções arbitrárias de pessoas que simplesmente estavam participando das manifestações e, após serem detidas, são mantidas incomunicáveis, privadas do direito de escolher o advogado que as representará, e são perseguidas criminalmente por crimes amplos que acarretam penas longas, como terrorismo ou incitação ao ódio. Estamos falando de uma repressão sistemática aos direitos humanos que ocorreu após as eleições e a fraude nos resultados.
DW: Em setembro, a HRW também denunciou vários abusos cometidos pelo governo da Venezuela nos últimos anos: assassinatos, torturas, etc. Esses abusos podem levar a condenações em tribunais internacionais?
Juan Pappier: O que ocorreu na Venezuela foram violações massivas aos direitos humanos: detenções arbitrárias, assassinatos de manifestantes, execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, crimes de tortura. O Tribunal Penal Internacional investiga esses crimes como crimes contra a humanidade. Há uma investigação pendente em Haia sobre esses delitos, e o procurador está na fase em que precisa começar a atribuir responsabilidades individuais aos líderes do regime de Maduro e, eventualmente, emitir ordens de captura contra eles.
DW: Há alguma esperança de que isso aconteça?
Juan Pappier: Eu acredito que sim, está avançando. O procurador [Karim] Khan demonstrou ter a intenção de ir atrás daqueles que cometem crimes internacionais e já emitiu ordens de captura contra [o presidente da Rússia Vladimir] Putin e [o primeiro-ministro de Israel Benjamin] Netanyahu. É esperado que também haja ordens de captura contra os responsáveis pelas atrocidades que ocorrem na Venezuela.
DW: A HRW pediu aos países da região que recebam mais refugiados. Ao mesmo tempo, a população muitas vezes demonstra certo cansaço em relação à onda migratória venezuelana. Como equilibrar essa equação difícil?
Juan Pappier: Há uma onda na região porque, na última década, 8 milhões de venezuelanos saíram do país, e, a nível regional, passamos de 7 milhões de migrantes e refugiados para 15 milhões. Ou seja, o nível do desafio migratório mudou de magnitude, e isso precisa ser entendido.
Agora, a realidade é que enquanto todos nós trabalhamos para que haja uma transição democrática na Venezuela – e parte da resposta dos países da região deve ser continuar pressionando para que os venezuelanos tenham a democracia que merecem –, precisamos ao mesmo tempo reconhecer que os venezuelanos provavelmente continuarão fugindo de seu país. Muitos fogem de perseguição e graves violações dos direitos humanos, portanto, têm todo o direito de buscar refúgio.
O que pedimos é que se trabalhe para criar um mecanismo de distribuição das responsabilidades entre os países da região, para que haja maior coordenação entre os governos e não seja o caso de alguns adotarem políticas restritivas e outros, não.
DW: Como a HRW vê o papel que a Organização dos Estados Americanos ou os grandes governos da região, como Brasil e México, desempenharam para pressionar Caracas?
Juan Pappier: Acredito que a enorme maioria dos países da região tem sido muito clara e contundente sobre o que ocorreu na Venezuela, e isso é notável. Acho que a iniciativa da Colômbia, do Brasil e, em menor medida, do México, de buscar um diálogo com a Venezuela também é importante. Ao mesmo tempo, é necessário ter uma distribuição das tarefas. Alguns países devem se dedicar a ser mais vocais, mais claros e mais contundentes, enquanto outros devem tentar promover vias de negociação para que haja uma saída democrática.
DW: Vocês pediram para os países não reconhecerem a vitória de Maduro. É um fato que Maduro cometeu fraude, pode-se dizer isso de forma clara?
Os relatórios das duas entidades internacionais que observaram as eleições, o grupo de especialistas da ONU e o Centro Carter, foram muito claros. Os resultados apresentados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) não estão sustentados por evidências, e as atas da oposição, que tanto o Centro Carter quanto os especialistas da ONU consideram confiáveis, refletem um resultado bem diferente. Ou seja, temos indicações claras de que estamos diante de uma grande fraude eleitoral.
À luz de tudo isso, levando em conta os relatórios que vocês divulgaram sobre torturas, assassinatos, perseguições à oposição política e à imprensa livre, podemos falar sem problemas que na Venezuela há uma ditadura?
Na Venezuela há uma ditadura. Lá se violam todos os elementos básicos da democracia: a possibilidade de eleições livres e justas, a possibilidade de ter pluralismo nos partidos políticos, as garantias de liberdade de expressão, de associação… Todos os elementos essenciais em uma democracia estão sendo tristemente violados na Venezuela, e por isso dizemos que estamos diante de uma ditadura.