12/04/2022 - 8:29
Considerada uma das 50 pessoas mais influentes do mundo no campo da diversidade, a psicóloga e ativista social Cida Bento lança livro sobre as dificuldades de inserção de negros no mercado de trabalho.Ela cansou de receber nãos e portas na cara. Depois de entender que o ponto era a cor de sua pele – e, claro, o racismo estrutural na sociedade brasileira –, a psicóloga Maria Aparecida da Silva Bento, mais conhecida como Cida Bento, decidiu fazer da questão sua profissão e razão de engajamento.
Tornou-se estudiosa do assunto e ativista. No início da década de 1990 fundou, ao lado de outros dois militantes, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), uma organização não governamental que luta para que os negros consigam espaços equivalentes no mercado.
A organização conta com uma equipe multidisciplinar, formada por juristas, educadores, assistentes sociais, sociólogos e psicólogos. Em 2015, a revista inglesa The Economist elegeu Cida Bento como uma das 50 pessoas mais influentes do mundo no campo da diversidade, ao lado de nomes como Bill Gates, Hillary Clinton e Angelina Jolie.
Para Bento, o combate ao preconceito passa por falar sobre o tema. “[É preciso] ampliar o conhecimento, se engajar nas lutas por equidade e pela mudança dos sistemas que geram ônus para uns e bônus para outros”, afirma ela, em entrevista à DW Brasil.
Em seu recém-lançado livro O pacto da branquitude, Bento apresenta sua tese sobre por que negros costumam ser preteridos em processos seletivos. “É um pacto não verbalizado, não combinado e silencioso, que faz com que brancos sempre preferenciem brancos para os melhores lugares sociais e se fortaleçam mutuamente nesses lugares”, explica a psicóloga.
“De outro lado, rejeitam ou interditam negros para esses melhores lugares por entenderem que não têm a estética adequada, não estão preparados, são ameaçadores, e por aí vai.”
De que forma as recusas que a senhora teve em processos seletivos, ao longo de sua carreira, deram subsídios para a criação do Ceert e a escrita deste livro?
A repetida recusa mesmo em situações em que eu via que tinha boas condições para preencher a vaga me impulsionou para estudar as vozes de pessoas que trabalhavam e daquelas que comandavam os processos de recursos humanos ou de chefias em grandes organizações. E também me impulsionou a atuar com organizações ligadas aos movimentos sociais visando a incidir concretamente nas políticas públicas, sindicais e de organizações empregadoras para mudar a situação de discriminação e exclusão no trabalho e na educação básica.
Pode nos relatar uma situação emblemática dessas recusas e como ficou claro para a senhora que se tratava de uma questão racial?
Eu já estava formada [ela concluiu a graduação em 1977], tinha me especializado em processos seletivos e tive excelente desempenho nos testes e dinâmica de grupo. Mas entre sete candidatas [para a determinada vaga] eu era a única negra. Disputei o lugar de assistente de recursos humanos e perdi. Isso surpreendeu a mim e a outras candidatas.
A senhora chegava a esses processos seletivos em condições de formação similares às de seus concorrentes. Ao mesmo tempo, dado o racismo estrutural da sociedade brasileira, sabemos que é muito mais difícil para uma pessoa negra conseguir chegar ao ápice da escolaridade. Quão difícil foi para a senhora conseguir se graduar? Havia preconceitos também durante os estudos?
Sim, foi difícil. Primeiro economicamente, pois minha família não tinha qualquer reserva para o enfrentamento dos momentos difíceis [ela foi a primeira pessoa de sua família a ter diploma de curso superior]. Depois por sinais concretos que a universidade dava de que eu estava “fora de lugar”, o que me fazia sempre desejar abandonar os estudos.
E como foi levar essa questão para a academia, desenvolvendo a temática no mestrado e no doutorado?
Foi como “remar contra a maré”. Estudar branquitude e discriminação sob o poder de professores brancos que afirmavam a neutralidade e objetividade dos processos de recursos humanos era como afrontá-los.
Como pesquisadora, a senhora também sente preconceito?
Sim. Muitas vezes me deparo com questões que exigem um olhar sobre meus próprios “pré-conceitos”, relacionados com a grande diversidade religiosa, de gênero, de identidade de gênero etc. A diferença é que por viver a experiência de ser alvo desses processos, o caminho de identificação e mudança interna pode ser abreviado.
Em seu trabalho, a senhora conceitualiza o chamado “pacto narcísico da branquitude”. Poderia explicar, em poucas palavras, o que significa esse pacto?
É um pacto não verbalizado, não combinado e silencioso, que faz com que brancos sempre preferenciem brancos para os melhores lugares sociais e se fortaleçam mutuamente nesses lugares. De outro lado, rejeitam ou interditam negros para esses melhores lugares por entenderem que não têm a estética adequada, não estão preparados, são ameaçadores, e por aí vai.
Como nós, enquanto sociedade, podemos contribuir para que esse cenário racista seja revertido?
Fazendo o que fazemos aqui: falar sobre o tema, ampliar o conhecimento, se engajar nas lutas por equidade e pela mudança dos sistemas que geram ônus para uns e bônus para outros.