A decisão do senador Márcio Bittar (MDB-AC) de propor o fim dos pisos de aplicação dos recursos do Orçamento em saúde e educação na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que destrava o auxílio emergencial deflagrou um debate nacional sobre a regra prevista na Constituição brasileira, o momento de se colocar essa proposta em meio à pandemia da covid-19 e as chances de prosperar.

O jornal O Estado de S. Paulo ouviu dois especialistas em contas públicas para falar sobre o assunto: Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e um dos “pais” do teto de gastos (a regra que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação), e Élida Graziane, procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo e autora do livro Financiamento dos direitos à saúde e à educação: uma perspectiva constitucional. Mendes diz que existe justificativa na teoria econômica para garantir um patamar mínimo de gastos nessas duas áreas, mas vê problemas na forma como é feita atualmente a vinculação. Élida Graziane diz que a revogação dos pisos é inconstitucional e que a solução deveria ser fazer aprimoramentos para tornar os gastos mais aderentes ao planejamento das políticas de educação e saúde. Leia a seguir os principais trechos da entrevista com o pesquisador do Insper.

A revogação do piso de recursos para aplicação em saúde e educação é o melhor caminho?

Essa revogação dificilmente será mantida na PEC. Foi incluída sem um debate claro, sobre prós e contras. Gerou forte reação contrária e um Fla x Flu entre os que acham que o fim da vinculação vai gerar muito dinheiro para ser realocado pelos parlamentares e os que acham que a desvinculação desestruturará os serviços de saúde e educação. Não vai acontecer nem uma coisa nem outra. Primeiro, porque a maior parte do gasto em saúde e educação – principalmente na educação – é com pessoal, que não pode ser demitido nem ter salários reduzidos. Logo, o gasto não cai e não abre espaço para outras despesas. Segundo, porque, no caso da educação, o Fundeb já tem todas as regras estruturadas e vinculações definidas em dispositivos que não estão sendo revogados. Assim, nada muda no Fundeb.

Qual a sua avaliação sobre a revogação dos mínimos?

Existe justificativa na teoria econômica para se garantir um patamar mínimo de gastos nessas duas áreas. Primeiro, porque elas geram as chamadas “externalidades”. Quando o Estado financia a educação de uma criança, ele não está criando valor apenas para aquela pessoa. A sociedade também se beneficia, por ter um indivíduo mais produtivo, menos propenso a se tornar um desempregado ou um criminoso no futuro. Há também uma questão de igualdade de oportunidade: as pessoas precisam ter condições mínimas de acesso à saúde e educação para se desenvolverem e competirem no mercado de trabalho.

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Mas o modelo precisa de aprimoramento?

O primeiro problema da legislação brasileira está na forma como é feita a vinculação. Ela é um porcentual da receita tributária. Quando a receita sobe, o ente público é obrigado a gastar mais: contrata professores, constrói hospitais. Quando a receita cai, a receita vinculada também cai, e faltam recursos para manter o gasto no nível anterior. Além disso, como a vinculação é feita dentro de cada ano, o maior pesadelo de um secretário de Fazenda e de Educação de um Estado e município é ter uma arrecadação muito boa em dezembro, porque ele vai ter de gastar dentro daquele exercício. Para isso arruma uma despesa de última hora, sem planejamento. Acaba gastando mal só para cumprir a regra e não ser processado.

E a aplicação dos recursos?

O segundo problema é que a política de vinculação de recursos parece dominar o processo decisório: só se pensa no dinheiro e não como aplicá-lo da forma mais eficiente possível. Houve captura para que o aumento do dinheiro seja imediatamente transformado em elevação dos salários. O foco fica em dinheiro, dinheiro, dinheiro; salário, salário, salário. Perde-se a perspectiva de que o objetivo maior é ampliar e melhorar o resultado da educação lá na frente. É muito celebrado o que foi obtido no Ceará, onde fizeram exatamente isso: premiar as prefeituras que melhorassem a qualidade da educação. Já na discussão do Fundeb, as corporações dominaram o debate e impediram que se adotasse o caminho vitorioso do Ceará. Metas de qualidade não foram introduzidas como critério de partilha dos recursos. O direcionamento foi mais dinheiro para pagar mais salário. Zero de preocupação com melhoria da educação.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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