Em um cenário de juros historicamente baixos como o atual, a eventual volta da CPMF seria um estímulo à desintermediação. A afirmação é do economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCIF) e mentor de proposta de reforma tributária que tramita na Câmara dos Deputados. A recriação da contribuição já foi apresentada como alternativa para financiar a desoneração da folha de pagamento das empresas. Mas para Appy, há outras formas – mais inteligentes – de financiar essa mudança, entre as quais, rever a tributação sobre renda e patrimônio. “Há duas bases sobrecarregadas no Brasil, que são a folha e o consumo. Então, tirar da folha e colocar no consumo não é a melhor ideia”, afirma ele.

Ex-secretário executivo e secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Appy diz ainda que vê uma conjuntura favorável para a aprovação da reforma tributária pelo perfil mais reformista do Congresso e também porque existe apoio unânime dos Estados pela primeira vez sobre proposta para acabar com o atual ICMS – fechando as portas para a concessão de novos benefícios fiscais. “Os Estados sabem que têm o poder de dar benefício fiscal, mas, em contrapartida, estão vendo que o modelo atual simplesmente esgotou.” A seguir, os principais trechos da entrevista:

Existe uma boa conjuntura para passar reforma tributária?

Vemos uma conjunção política bastante favorável ao andamento da reforma por vários motivos. O primeiro é o perfil mais reformista da atual Legislatura e a importância atribuída à reforma tributária pelos presidentes da Câmara (Rodrigo Maia) e do Senado (Davi Alcolumbre), e isso é realmente importante. Também o fato de que, ao menos na área técnica, todos os Estados estão apoiando uma reforma que acabe com o ICMS, que haja um imposto sobre bens e serviços cobrado no destino e sem benefícios fiscais.

Os Estados estão de acordo em que sentido?

A proposta de emenda à Constituição nº 45 foi assinada pelos secretários de Fazenda dos Estados. Todos. Esse foi um trabalho feito pelo Consefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal). Obviamente, há algumas mudanças em relação à PEC 45, mas naquilo que é o ponto central, que é ter um imposto único que substitua tributos federais, estaduais e municiais por um imposto sobre bens e serviços cobrado no destino, com alíquota uniforme e sem benefício fiscal, tem total convergência com a proposta que está em discussão na Câmara e a proposta dos Estados.

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Por que isso aconteceu?

Os Estados sabem que têm o poder de dar benefício fiscal, mas, em contrapartida, estão vendo que o modelo atual simplesmente esgotou. Mais ainda, virou um jogo de perde, perde para todos os Estados. Todos os Estados dão benefício fiscal, então, isso deixou de ser um instrumento de fato de política de desenvolvimento e ninguém se beneficia. Eles estão perdendo receita porque há um efeito muito negativo sobre a receita. Os Estados chegaram à conclusão que a única forma de resolver o problema do ICMS é acabando com o ICMS, ainda que com uma transição.

Como vê a possibilidade de criação de tributo para desonerar totalmente a folha de pagamento?

O CCIF entende que o modelo ideal não é uma desoneração linear da folha de pagamento, mas uma desoneração concentrada na tributação que não gera benefício, como o Sistema S, o salário educação, por exemplo. Essa discussão sobre a desoneração da folha precisa ser separada em dois temas. O primeiro é como fazer e nós aqui temos clareza que a melhor forma de fazer não é via desoneração linear, e, sim, uma desoneração em que se elimina as maiores distorções existentes hoje na tributação da folha. Se houver uma relação atuarialmente equilibrada entre empregador e empregado, na qual a cada real a mais que se contribui seja gerado um benefício adicional, é um modelo bom. O problema é quando se tributa e não gera nenhum benefício.

Mas como financiar essa desoneração?

Essa é a segunda discussão a ser feita. Muitas vezes, aparece no debate a CPMF como sendo a única alternativa de financiamento. Não é verdade. Existem outras alternativas que precisam ser colocadas na mesa, como a tributação sobre a renda e algumas mudanças que podem ser feitas na tributação sobre o patrimônio. Há duas bases sobrecarregadas no Brasil, que são folha e consumo. Então, tirar da folha e colocar no consumo não é a melhor ideia. E há duas bases que poderiam ser melhor exploradas, que são renda e propriedade. Mas é preciso ter muita calma para fazer mudanças na tributação da renda, que é muito cheia de detalhes.

Como o quê?

Não se pode simplesmente falar que vai tributar a distribuição de lucros e dividendos e manter a alíquota que existe na empresa. A alíquota cobrada hoje na empresa é mais alta que em qualquer país da OCDE. Então, não faz sentido manter essa alíquota na empresa e ainda inserir mais uma na distribuição. É preciso ver também como a mudança na tributação de pessoa jurídica conversa com a da pessoa física. Existem alternativas para financiar a desoneração da folha de salários de maneira mais inteligente que, necessariamente, não passam pela CPMF.

A comissão mista para a reforma tributária está criada. Mas o Executivo não enviou ainda nenhuma proposta ao Congresso.

Acredito que será feito um trabalho de aproximação e convergência dos textos. O Congresso está tocando a pauta, mas é importante o Executivo participar do debate. Até seria muito bom que mandasse sua proposta para deixar claro o que quer.

Qual o caminho para tentar chegar a um consenso?


Afinal porque se faz a reforma? Simplesmente porque o modelo atual está impedindo o Brasil de crescer. A discussão racional da reforma passa por olhar custos-benefícios e transição, que faz os custos serem diluídos no tempo para não ter nenhum impacto traumático.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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