Ela é conhecida no Mato Grosso como “Moro de Saias”. A senadora Selma Arruda (Podemos-MT) já foi juíza federal no seu estado por 22 anos e, assim como o ministro da Justiça, Sergio Moro, se aposentou em 2018 para entrar para a política, depois de ter decretado a prisão de gente importante, como o ex-governador Silval Barbosa (MDB) e secretários de estado. Na carona de Bolsonaro, e com o discurso de combate à corrupção, ela se elegeu senadora e não tem vergonha de assumir que defende projetos do presidente, como o que permite as pessoas se armarem. “Eu tenho uma arma e nunca matei ninguém”, diz. Mas abomina as teses de extrema-direita ostentadas por Bolsonaro: “É de uma burrice sem fim”, afirma, referindo-se ao que considera discriminação dos homossexuais. Embora ainda declare apoio ao governo, Selma deixou o PSL depois brigar com o filho do presidente, o senador Flávio, que lhe falou palavrões ao telefone. A senadora luta para que a Lava Jato não morra: “A operação está a um pé do abismo”, sobretudo se o STF decidir pela suspeição de Moro nos processos de Lula, avalia Selma. A magistrada não tem mesmo papas na língua.

O PSL, partido que a senhora acabou de deixar, vive uma crise sem precedentes. O que há por trás da guerra interna?

O partido não foi construído de maneira organizada. Há dirigentes partidários que não querem sair porque não desejam perder o fundo partidário, há outros mais colados ao presidente Bolsonaro que o acompanham independente da sigla, e há os que pertencem realmente ao PSL, sob a batuta do deputado Luciano Bivar, mas está em minoria. Isso não vai se sustentar como está. Depois da briga atual, esse quadro vai mudar e um desses três grupos vai acabar prevalecendo sobre os outros.

Mais do que por discussões ideológicas, a desavença entre Bolsonaro e Bivar é pelo controle do dinheiro para campanhas eleitorais?

Exatamente. O partido ficou poderoso por conta do dinheiro auferido com a eleição e agora as pessoas que querem deixar a sigla pensam duas vezes: sair de um partido rico e ir para onde? E o dinheiro para as eleições do ano que vem? O que eu tenho visto por aí é que nenhum desses grupos está preocupado com o futuro, com os interesses partidários. Todos só pensam no dinheiro que ele gera.

Os preparativos para a campanha da reeleição em 2022 estão pesando?

Pelo que tenho visto, ele se desentendeu com o Bivar por causa disso. Não tenho acompanhado de perto dessa briga. Afinal, acabo de deixar o PSL para ingressar no Podemos.

A senhora deixou o PSL depois de ríspida discussão com o senador Flávio, filho do presidente, que lhe telefonou à noite, falando palavrões. Ele foi grosseiro?

Eu gostaria de esquecer aquele episódio. Ele me ligou por volta das 22h, muito alterado, aos berros, dizendo aqueles palavrões que todos já sabem (“você quer me foder?”), apenas porque assinei a lista da CPI da Lava Toga. Eu falei: ‘fala mais baixo; você não está falando com tuas negas’. Ele foi deselegante. Não sou nada dele. Pedi para ele baixar o tom e ele não baixou. Então desliguei. Telefonei em seguida para a senadora Soraya (Thronicke, do PSL-MS), que também já havia ficado 40 minutos com ele ao telefone. Flávio também queria convencê-la a retirar a assinatura. O mesmo aconteceu com o senador Major Olímpio, que também recebeu uma ligação dele. Só que o Major Olímpio respondeu à altura, diferente de mim.

Deixou o PSL só por isso?

O PSL ficou de mãos atadas para defender o combate à corrupção exatamente por essa postura do Flávio. Ele só quer livrar a pele dele lá no Rio. E isso foi me incomodando.

A senhora saiu também em meio à confusão em torno dos laranjais de Pernambuco e de Minas Gerais. Afinal, por que o ministro do Turismo não é demitido?

Acredito que o presidente está aguardando uma definição da Justiça. Deve estar satisfeito com o trabalho dele e não vai tomar uma medida drástica antes que a própria Justiça se posicione.

A senhora também não o demitiria então?

Eu sou outra pessoa. Sempre tive um trato muito sério com as pessoas que trabalham comigo, no sentido da transparência e do não envolvimento com corrupção. A gente sabe que pode haver injustiças, mas eu não sou se ficar passando a mão na cabeça de ninguém.

Mas o MPF até já o denunciou à Justiça…

Eu também fui denunciada por caixa dois da campanha do ano passado, não é? No meu caso, tudo de forma improcedente. Eu não fiz caixa dois. Os gastos questionados foram feitos em março e abril e nem havia campanha ainda. Não pode haver caixa dois em período da pré-campanha. Mas aqui no Mato Grosso há uma “lei” dizendo que isso é caixa dois.

A senhora se sente injustiçada pelo processo que chegou a pedir a cassação do seu mandato pelo TRE do MT?

Com certeza (ela vai recorrer ao TSE). Quando a gente sabe que alguém se meteu em encrenca, eu digo: tchau. Mas, no meu caso, houve armação da política local. Eu fui juíza por 22 anos aqui no Mato Grosso combatendo corrupção. As pessoas de uma das organizações criminosas que eu prendi foram responsáveis por essa armação. O juiz que me julgou é intimamente ligado ao ex-governador que eu prendi e o juiz que julgou as minhas contas era advogado do ex-governador.

Quem são eles?

O ex-governador é o Silval Barbosa e o juiz é Ulisses Rabaneda, da Justiça Eleitoral aqui do Mato Grosso.

Falando em corrupção no Judiciário, por que a CPI da Lava Toga não é aprovada?

Há uma força contrária muito grande. Tem uma resistência forte, com cartas pesadíssimas jogadas na mesa. A gente sabe que isso não é brincadeira e se não houver um empenho significativo da nossa parte, não conseguiremos apurar nada nos próximos quatro anos.

Mas de onde partem as pressões? De senadores poderosos, de ministros do STF, do presidente Bolsonaro?

Vem de todos os lugares. A gente tem várias pessoas, com interesses diferentes, que se uniram para se proteger. Um determinado político se protege com a ajuda de determinado ministro do STF. Faz parte de uma corrente suja.

Essa corrente suja está no STF também?

Há pelo menos dois ou três ministros do STF que eu diria ser muito provável que estejam envolvidos nessa corrente suja, mas eu sempre gosto de preservar as instituições, porque eu também já fui juíza e sei que a gente não pode jogar todo mundo na vala comum. Reconheço também que lá tem muita gente honesta, trabalhadora e que está passando vergonha alheia e não aguenta mais. A gente precisa vencer esse obstáculo de precisar de uma assinatura a mais. A gente instaura a CPI e depois vem o presidente do Senado e resolve colocar algum componente na comissão que vai abafar tudo.

Acha que Bolsonaro quer abafar a CPI para proteger o filho e senador Flávio por causa dos malfeitos no Rio?

Isso é o que tem sido denunciado por colegas e eu lamentaria se fosse verdade. Eu acredito no Bolsonaro, continuo querendo muito que ele dê certo. Para mim, é doloroso pensar que isso seja verdade. Tínhamos esperança em dias melhores até meses atrás.

Como a senhora está vendo o futuro da Lava Jato?

Vou trabalhar para que a operação não acabe, mas estamos a um pé do abismo. Se o STF disser que o ministro Sergio Moro é suspeito para julgar a lava Jato e quiser anular todos os processos, nós vamos passar uma vergonha internacional, que nunca mais nos recuperaremos. A Lava Jato está sob fogo cerrado. Essa não será a última investida que farão. Ainda haverá outras coisas, mas estamos muito atentos ao que está acontecendo, inclusive junto ao novo Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que foi eleito com nosso voto, para fortalecer a Lava Jato e não deixá-la ruir.

Se o STF decidir pelo fim da prisão em segunda instância será um golpe mortal na Lava Jato?

Será um grande abalo, quase uma pá de cal. Mas pá de cal mesmo será julgar o ex-juiz Sergio Moro como suspeito.

E essa questão do delator falar primeiro do que o delatado, o que muda para a Lava Jato?

Foi um dos tiros que a operação levou nos últimos tempos. Ela foi bombardeada de todos os lados. Precisamos agora ficar mais atentos. O nosso grupo ‘Muda Senado’ está trabalhando muito, fazendo pautas positivas. O problema é que as duas últimas semanas foram mortas no Congresso: não se votou a Previdência, não se faz mais nada, e houve muito toma-lá-dá-cá.

Isso aconteceu em torno da divisão dos recursos bilionários da cessão onerosa do Pré-Sal?

Houve toma-lá-dá-cá principalmente com a votação da própria Reforma da Previdência. Para nós, não ofereceram nada, porque sabem que iríamos denunciar. Foram liberados valores monstruosos de emendas para quem votasse a favor. A gente não se envolveu nisso.

Ofereceram só emendas parlamentares ou dinheiro de caixa dois para campanhas?

Emendas, né! Você sabe como as emendas se transformam em caixa dois? O dinheiro vai para a empreiteira fazer obras e depois devolvem parte do dinheiro como caixa dois. A gente viu isso na Lava Jato.

Quando a senhora decidiu deixar o PSL, pesou o fato de o partido do presidente ter assumido bandeiras de um partido de extrema-direita?

Eu sou contra qualquer extremo. A extrema-direita é de uma burrice sem fim. A linha da minha campanha foi clara: não sou contra o casamento gay, não acho o homossexualismo seja uma doença, não tem que jogar esse povo na fogueira. Eu até levava umas chamadas do partido por isso. E eu não criticava os homossexuais, pronto e acabou. Então, acho que minha saída do PSL foi até benéfica.

A senhora saiu do PSL, mas continua apoiando o presidente?

Sim, apoio as pautas que não sejam da extrema-direita. Mas com relação ao armamento eu apoio. Aqui no meu estado todo mundo tem arma. Eu tenho e nunca matei ninguém. Apoio também a escola sem partido: não dá para ver uma criancinha vestida de vermelho, em assentamentos da Incra, cantando “eu sou sem-terrinha”. Não tem que ter doutrinação das crianças nas escolas.