O incêndio no Edifício Joelma completou 50 anos nesta quinta-feira, 1º. A tragédia que ocorreu na manhã do dia 1º de fevereiro de 1974 culminou na morte de 181 pessoas e deixou mais de 300 feridos, após as chamas começarem no 12º andar da estrutura devido a um curto-circuito no sistema de refrigeração do piso. Acredita-se que o vento e as falhas de segurança do prédio levaram as chamas a se espalharem.

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O prédio, atualmente chamado de Edifício Praça da Bandeira, começou a ser construído em 1968, com as obras finalizadas em 1971, sendo inaugurado e posteriormente alugado pelo banco Crefisul. A estrutura possui duas torres com uma escada central entre elas, sendo uma voltada para a Avenida Nove de Julho, e outra para a Rua Santo Antônio, no centro de São Paulo. Do primeiro ao sétimo andar, que possui altura correspondente ao décimo, estão alocados estacionamentos, com os escritórios estabelecidos do 11º ao 25º piso.

Edifício Joelma

O jornalista Adriano Dolph, autor do livro Fevereiro em Chamas, afirmou à TV Brasil que o edifício passou por todos os alvarás da prefeitura, habite-se e do Corpo de Bombeiros. “O arquiteto foi o Salvador Candia, que era muito conhecido na cidade de São Paulo. O prédio foi entregue em perfeita ordem para incorporação da Crefisul, para que o banco pudesse se instalar no local”, explica o escritor.

Apesar de aprovado, os escritórios do Edifício Joelma eram pequenos e separados por divisórias, com cortinas, móveis de madeira e pisos com carpete. Não havia qualquer tipo de isolamento entre os pisos e telhas de amianto permaneciam no telhado. A estrutura também não possuía escadas de emergência ou planos de evacuação, além de que, as ligações elétricas haviam sido confeccionadas de forma improvisada por profissionais não certificados.

De acordo com Adriano Dolph, havia uma garoa fraca em São Paulo naquela sexta-feira, mas os ventos fortes que atingiram a cidade realizaram uma maior propagação das chamas de maneira vertical, ocasionando a tragédia. Não havia brigada de incêndio no Edifício Joelma e no dia 1º de fevereiro de 1974, os hidrantes não estavam funcionando, já que as caixas d’água estavam com o registro geral fechado.

Incêndio

Por volta das 8h45 daquela fatídica sexta-feira, um curto-circuito no sistema de refrigeração do 12º andar do Edifício Joelma ocasionou o fogo, que se propagou rapidamente devido à falta de segurança e ao vento. Os bombeiros foram acionados e muitos dos agentes que integraram a operação no local já haviam feito parte de uma ação similar apenas dois anos antes, quando um incêndio atingiu o Edifício Andraus, vitimando 16 pessoas.

“Ouvimos no rádio que estava tendo um incêndio no centro da cidade. Não sabíamos o que era, mas quando falaram do edifício, logo lembrei do Andraus, onde já tinha trabalhado. ‘Deve ser outro pavoroso, imaginei’”, contou à TV Brasil o bombeiro reformado Franclin de Jesus Ferreira, que possui 76 anos atualmente. Apesar disso, as duas empreitadas foram diferentes, já que o Joelma não possuía um heliponto, o que impedia resgate de muitas pessoas pela cobertura da estrutura.

O primeiro-tenente veterano Roberto Silva, de 83 anos, descreve que muitas pessoas tentaram subir a estrutura se lembrando do incidente no Edifício Andraus, mas os helicópteros não conseguiram parar nas telhas de amianto. “Teve um (bombeiro) que tentou pular (da aeronave para a cobertura), mas ele passou pelo telhado e parece que quebrou o tornozelo”, diz o antigo membro das forças de segurança.

A única escada do Edifício Joelma acabou se tornando uma espécie de “chaminé”, por onde a fumaça das chamas subia, impedindo a passagem de pessoas pelo local. Também foi registrado muito tumulto entre os que tentavam subir e que desciam, dificultando uma saída rápida do prédio.

“Era uma escada aberta, sem nenhuma proteção e sem portas corta-fogo”, explica Rosaria Ono, diretora do Museu Paulista e professora de Arquitetura e Urbanismo da USP. Ainda de acordo com a especialista, a fachada com grandes fachadas permitia que o incêndio passasse de um lugar para o outro.

Resgate

Hiroshi Shimuta, atual presidente da Nicom Comércio e Material de Construção, de 80 anos e Mauro Ligere Filho, um microempresário, de 73, trabalhavam no Citibank, que havia feito parceria com a Crefisul, e estavam no 22º andar quando receberam a notícia do incêndio no edifício. Ambos se alojaram com outras pessoas em um banheiro, mas a fumaça continuou entrando no local, e tiveram que ir ao parapeito da janela do prédio.

“Com o fogo subindo, havia quem se jogava de lá de cima. O cenário era simplesmente dramático. A gente orava muito e pedia para que Deus nos salvasse”, conta Hiroshi Shimuta, que havia acabado de virar pai de gêmeos que haviam nascido apenas alguns dias antes do incidente. “Não posso morrer. Coloquei duas crianças no mundo e elas não podem crescer sem o pai. Preciso estar vivo”, pensava o idoso.

A escada magirus do Corpo de Bombeiros chegava apenas ao 14º andar, e o grupo estava na janela do banheiro, no 22º piso. Os agentes tiveram de subir com outras escadas auxiliares para poderem resgatá-los levando um de cada vez. Mauro Ligere Filho foi um dos primeiros a descer, e explicou que ficou apenas com uma orelha queimada, voltando a trabalhar já na próxima segunda-feira.

“Eu estava praticamente intacto, não tinha nada além daquela ardência no olho e secura na boca”, contou o microempresário, esclarecendo que desenvolveu síndrome do pânico anos após a tragédia. Mauro Ligere Filho ainda falou que se tornou amigo do bombeiro que o resgatou anos depois, após uma entrevista durante um programa de TV, identificado como João Simão de Souza, de 73 anos, que foi dado como morto no dia do incidente.

O antigo membro das forças de segurança teria sido declarado morto após entrar no edifício para efetuar uma vistoria e encontrar uma vítima no local. Enquanto resgatava o homem, uma laje caiu sobre os dois, matando o indivíduo e quebrando o nariz, os dentes, a clavícula, os dois braços, as duas pernas e três costelas, uma delas perfurando o pulmão, do bombeiro. “Quando acordei, estava todo engessado do pescoço para baixo”, relembra João Simão de Souza.

Consequências

De acordo com relatos, o condomínio, a prefeitura, ou a Crefisul disponibilizaram psicólogo para as vítimas após a tragédia. O banco chegou a indenizar algumas pessoas por acidente de trabalho, mas não desejava pagar valores às famílias de funcionários mortos. Após uma batalha judicial, a empresa efetuou o pagamento dez anos depois, e nem todos foram beneficiados com as quantias.

Cinco pessoas foram responsabilizadas pelo incêndio, o engenheiro Kiril Petrov, condenado a três anos de prisão, e os eletricistas Sebastião da Silva Filho, Alvino Fernandes e Gilberto Araújo, sentenciados a dois anos de reclusão, penas que foram reduzidas após recorrerem. A Crefisul nunca foi julgada de qualquer forma como responsável pelo incidente, de acordo com Adriano Dolph.

Os equipamentos do Corpo de Bombeiros tiveram de ser melhorados com o tempo, já que na época, os agentes utilizavam camisas de manga curta e botas cujas solas saiam em contato com ambientes de calor intenso. Seis dias após o incêndio, o prefeito de São Paulo, Miguel Colasuonno publicou um decreto com normas específicas para a construção de edifícios na capital paulista.

No texto, era exigido que novas construções tivessem rotas de fuga, suprimento de água, lotação máxima e uso de material resistente ao fogo em escadas, além da instalação de um sistema de sprinklers. Na época, o código de obras da cidade de São Paulo datava de 1934, deixando de acompanhar a evolução e modernização da capital paulista.

* Com informações da Agência Brasil