04/05/2017 - 12:12
Não resta em Hong Kong rastro da revolta de 1967, que com bombas artesanais abalou o colonizador britânico. Mas, 50 anos depois, uma revolta similar percorre a cidade, dirigida desta vez contra a China.
Enquanto esta ex-colônia se prepara para celebrar em julho os 20 anos de seu retorno à China, Hong Kong pouco lembra deste episódio quase ignorado, que deixou 51 mortos.
Aquele movimento social, originado em reivindicações sindicais e atiçado pelo Partido Comunista Chinês contra a potência colonial, degenerou durante sete meses – de maio a dezembro de 1967 – em batalhas nas ruas entre militantes de esquerda e forças de segurança, e em episódios violência que jamais voltaram a se repetir desde então.
As fotos mostram pessoas ensanguentadas, incluindo mulheres e crianças, e multidões encarando com ira os policiais.
Luk Tak-shing, de 70 anos, não esqueceu a operação policial na sede do sindicato onde trabalhava, e na qual foi detido junto com outras 40 pessoas.
Na ocasião, havia ajudado os trabalhadores a organizar uma greve. Foi detido, espancado e encarcerado por reunião ilegal, relata.
“Os espancamentos da polícia me exasperaram”, explica à AFP este homem que se irrita “ainda hoje somente de falar disso”.
Era a época na China das sombrias horas da Revolução Cultural e dos expurgos em massa.
– Terrorismo –
Em Hong Kong, o movimento começou no dia 6 de maio de 1967, quando trabalhadores demitidos de uma fábrica de flores artificiais tentaram impedir que a produção saísse da fábrica.
Muitos deles foram presos, e os confrontos com a polícia deixaram feridos, detonando um ciclo infernal de manifestações, repressão e inclusive atentados sangrentos.
Entre maio e outubro, os desativadores de explosivos foram chamados mais de 8.000 vezes por alertas de bomba, entre elas 1.100 por verdadeiros artefatos explosivos, segundo a polícia.
A tranquilidade só retornou no fim do ano, com um apelo neste sentido do primeiro-ministro chinês, Chu En lai.
A extrema violência do movimento marcou Hong Kong, segundo a cineasta Connie Lo, autora de um documentário sobre estes distúrbios, de título eloquente: “Vanished Archives” (“Arquivos desaparecidos”, em tradução livre).
“O fato de ter vivido o terrorismo na cidade fez os habitantes valorizarem o preço da estabilidade”, explica Lo.
No entanto, 20 anos depois do retorno da antiga colônia britânica à China, há tensões palpáveis em Hong Kong, onde parte da opinião pensa que Pequim amplia seu controle, embora as liberdades da cidade estejam teoricamente garantidas até 2047.
– ‘Mesmo problema’ –
As grandes manifestações de 2014 para exigir da China reformas democráticas foram em geral pacíficas. Mas, no fim de 2016, o bairro de Mongkok foi palco de confrontos entre forças de segurança e militantes da autonomia ou inclusive da independência de Hong Kong.
O nível de violência deste confronto esteve distante do de 1967, mas foi descrito como o mais violento em meio século.
Leung Kwok-hung, veterano do combate pela democracia, vê diferenças entre 1967 e hoje, mas considera que a essência do problema é a mesma.
“A população está enfrentando o mesmo problema: um governo que não elegeu”, analisa à AFP este militante veterano, que se considera de esquerda.
E o executivo de Hong Kong – alinhado com Pequim – parece envolvido em uma fuga, ao endurecer sua posição e multiplicar as ações judiciais contra os militantes.