Ao longo dos meses que antecederam a fuga do último xá do Irã e o colapso de 25 séculos de monarquia, o vendedor Ahmad Cheikh-Mehdi foi testemunha do fervor popular que levaria seu país para a Revolução Islâmica.

Há 40 anos, em 16 de janeiro de 1979, o xá Mohammad Reza Pahlavi, que se autoproclamava “rei dos reis”, deixava o Irã após meses de manifestações contra seu regime.

Sua saída permite, então, o retorno triunfante, em 1º de fevereiro, do aiatolá Ruhollah Khomeiny, procedente da França, e a vitória da Revolução Islâmica.

“Todo o mundo foi transformado pela Revolução. Nós voltamos a sentir esperança”, lembrou Cheikh-Mehdi, que trabalhava na época como ajudante de um comerciante no Grande Bazar de Teerã.

O bazar era um dos redutos de apoio à Revolução, um bastião tradicionalista próximo dos religiosos contrários ao que descreviam como a secularização e ocidentalização promovidas pelo xá.

Cheikh-Mehdi guarda uma viva lembrança dessa época. Ele se recorda, em particular, dos cantos repetitivos de um daroês – adepto de uma veia mística do Islã – que atravessava os corredores do bazar nos meses que antecederam a saída do xá.

– Apaixonados –

O xá e sua mulher fugiram primeiro para o Egito. Este foi o início de uma caminhada que também os levaria para Estados Unidos e México, antes do retorno ao Cairo, onde o xá morreria de câncer, em 27 de julho de 1980, aos 60 anos.

Sua queda começou a se desenhar um ano antes de sua queda, em janeiro de 1978, com a publicação no jornal “Etelat” de um artigo de tom ofensivo por parte do aiatolá Khomeiny.

Estudantes de Teologia desceram às ruas para protestar, mas esses atos foram reprimidos a sangue. Os enterros dessas vítimas deflagram um novo ciclo de manifestações e de repressões.

Os problemas se acentuaram ao longo de 1978. O Grande Bazar fechava, com frequência, em sinal de apoio aos manifestantes.

“Um jovem vinha correndo no bazar, assobiava e gritava ‘Eles estão aqui’, e nós fechávamos todas as lojas para nos unirmos às manifestações”, recorda Ebrahim Almassi, de 77, que tem até hoje uma loja de fantasias no bazar.

Ele sente falta desse espírito revolucionário em erupção, inspirado no carisma de Khomeiny. “As pessoas estavam apaixonadas naquela época!”, afirmou.

Cheikh-Mehdi se lembra que ele comprava ovos para os trabalhadores em greve, um dos exemplos de solidariedade então em voga.

“Nós ajudávamos as pessoas o quanto podíamos”, completa.

– Raízes religiosas –

Educado na Suíça, Mohammed Reza Pahlavi sobe ao trono em 16 de setembro de 1941, com apenas 21 anos.

O jovem rei terá autoridade real apenas depois de um golpe de Estado, orquestrado pela Agência Central de Inteligência americana (CIA), que derrubará em 1953 seu popular primeiro-ministro, Mohamed Mossadegh, então envolvido com um projeto de nacionalização do petróleo iraniano.

Inundado pelos petrodólares, o Irã do xá se torna um dos clientes mais importantes da indústria da defesa americana e um anteparo contra a influência soviética.

Suas reformas sociais inspiradas no Ocidente provocam, porém, a ira dos líderes religiosos, enquanto seus esforços para consolidar seu poder e sua brutal polícia secreta lhe valem a reputação de tirano.

A oposição do xá e a corrupção de uma parte da elite de Teerã levam à criação de uma coalizão improvável, mas poderosa. Esse grupo reúne, ao mesmo tempo, islamistas radicais opostos ao quietismo do clérigo tradicional, estudantes de esquerda inspirados nos movimentos anticolonialistas ao redor do mundo, assim como republicanos, liberais e laicos, herdeiros políticos de Mossadegh.

O 40º aniversário da queda do xá acontece em um contexto difícil para o Irã.

O país está à beira de uma recessão econômica agravada pelo restabelecimento das sanções americanas e por má gestão.

Para Cheikh-Mehdi, já é tempo de voltar às raízes religiosas da Revolução.

Ele disse se inspirar no imã Ali, genro do profeta Maomé e símbolo da justiça para os muçulmanos xiitas, majoritários no Irã: “todos nós temos precisamos lembrar que a vida é curta e que nós todos seremos julgados”.