08/05/2020 - 4:00
No dia 8 de maio de 1980, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou em Genebra que “todos os povos” estavam “livres da varíola”, quase dois séculos após a descoberta da vacina.
O vírus da varíola, cujo único reservatório era o ser humano, é transmitido por gotas de saliva, aerossóis e, em menor medida, por roupas contaminadas.
Dez anos depois da criação da OMS em 1948, a Rússia propôs em uma reunião da organização, “em um momento de distensão na Guerra Fria”, que o mundo se dedicasse à erradicação da varíola, explica o epidemiologista americano Larry Brilliant.
“O governo dos Estados Unidos aceitou imediatamente”, completou.
“Havia na ocasião uma vontade pública e política”, destacou à AFP, antes de criticar o “nacionalismo” que prevalece atualmente no combate ao novo coronavírus.
Quatro décadas depois da erradicação da varíola, a COVID-19 paralisou o mundo em questão de meses, o que nunca foi provocado pela varíola, apesar de sua taxa de mortalidade de 30%, que deixou mais de 300 milhões de vítimas fatais no século XX.
“Podemos aprender muito com a varíola para a COVID-19 sobre a importância do rastreamento de casos, o isolamento de pacientes e o confinamento de seus contatos”, explica à AFP a doutora Rosamund Lewis, diretora do departamento de varíola da OMS.
Quando a Organização Mundial da Saúde iniciou o programa intensivo de erradicação em 1967, os especialistas “seguiam de porta em porta” para procurar enfermos, disse Lewis.
Sem demora, alguns países perceberam que é necessário criar um “exército de saúde pública” para lutar contra a COVID-19, para entrar em contato com as pessoas e monitorar os casos, acrescenta.
Agora o rastreamento acontece por meio de aplicativos ou ligações telefônicas, com base na boa vontade das pessoas, mas a OMS defende a política, especialmente porque não há vacina contra a COVID-19.
– Vacina –
A vacina contra a varíola foi desenvolvida no fim do século XVIII, quando um médico britânico descobriu que a inoculação do vírus da varíola da vaca (chamado vacine) protegia os humanos.
Antes da vacinação, a população praticava a variolização: um método muito antigo de imunização que consistia em inocular pus, um procedimento que “protege de modo eficaz, mas que tinha o inconveniente de permitir a circulação da varíola”, comenta a francesa Anne-Marie Moulin, médica e filósofa no CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas).
“Em alguns países, a variolização continuou após a descoberta da vacina”, explica, citando o caso da Índia, muito afetada pela doença.
A vacinação foi “o elemento principal da vitória” contra o vírus, mas o êxito também foi “resultado de uma colaboração internacional” baseada em campanhas de prevenção, tratamento e diagnóstico, disse Angela Teresa Ciuffi, do Instituto de Microbiologia da Universidade de Lausanne.
Quase 10 anos depois do apelo da Rússia, a varíola ainda provocava dois milhões de mortes por ano no planeta. Em 1967, a OMS começou a aplicar um programa de luta intensivo.
O último caso de varíola maior foi registrado em 1975 em Bangladesh e o último caso de varíola menor em 1977 na Somália. Em, 1978, no entanto, uma fotógrafa médica britânica que trabalhava perto de um laboratório que pesquisava a doença foi infectada e morreu.
– Bioterrorismo –
Apenas dois laboratórios têm autorização para conservar o vírus da varíola – Koltsovo na Rússia e Atlanta nos Estados Unidos -, mas em 2014 foram encontrados frascos antigos em outro laboratório americano.
O período desde a erradicação foi marcado por um debate não solucionado obre a destruição dos últimos estoques do vírus. De acordo com especialistas é tecnicamente possível recriá-lo em laboratório, mas a OMS proíbe.
Várias décadas após a erradicação da varíola, seu espectro persiste e inclusive aumentou com a ameaça do bioterrorismo.
Ao lado da varíola, “o coronavírus é apenas um exercício de treinamento” porque hoje a maioria das pessoas nunca foi vacinada e se torna vulnerável, afirma David Evans, virologista da Universidade de Alberta, no Canadá.
Em caso de reintrodução, a varíola “poderia ser devastadora nas primeiras semanas, sobretudo levando em consideração que a pandemia da COVID-19 mostrou quanto tempo os sistemas de saúde pública precisam para ativar sua logística”, opina Rosina Ehmann, do Instituto de Microbiologia das Forças Armadas da Alemanha.