As Avós da Praça de Maio completam 40 anos neste domingo (22) e não baixam a guarda após terem identificado 124 crianças roubadas pela ditadura argentina, entre elas Ignacio Montoya Carlotto: “Guido”, um dos símbolos de sua luta.

“As avós foram vítimas de uma enorme violência que ocorreu na Argentina (durante a ditadura, em 1976-1983), e saíram em busca de entes desaparecidos de suas famílias. Foi terrível, tão sórdido, prender os militantes – seja lá o que tivessem feito – e dar seus filhos de presente, entregá-los por meio de adoções ilegais. Sem a sua luta, nunca saberíamos da verdade”, diz à AFP o 114º neto “recuperado”.

Essas mulheres, que atualmente tem 80 anos ou mais, perderam seus filhos e filhas, sequestrados por serem opositores ao regime militar, e bebês – seus netos – que nasceriam meses mais tarde. As Avós estimam que cerca de 400 crianças foram roubadas e adotadas ilegalmente por pessoas próximas ao regime ditatorial.

– “Guido” –

Ele se chamou Ignacio Hurban durante 36 anos, até a Argentina descobrir a existência de “Guido”, nome dado a ele por sua mãe antes de morrer na prisão da junta militar.

Esse pianista e amante de jazz, nascido em Olavarría, uma pequena cidade na Pampa Úmida argentina, estampou as primeiras páginas dos jornais no dia 5 de agosto de 2014: a emblemática presidente das Avós, Estela de Carlotto, tinha acabado de encontrar o seu neto.

Nesse dia, Carlotto irradiava felicidade. Ignacio Hurban de repente passou a ser bombardeado com o nome “Guido” e aparecia sorridente e espontâneo em frente às câmeras de TV de todo o mundo. Um conto de fadas em pleno inverno austral.

Em uma entrevista à AFP, confessou que, sem dúvidas, não tem sido tão simples viver essa história.

“Me buscaram durante 36 anos. Para mim e os outros netos recuperados, é diferente. Há menos expectativas. Para quem é buscado, a história começa no dia que o encontram. Aí começa o choque”, ressalta.

Também afirma que “houve coisas fantásticas por trás desse encontro”, uma vez que construiu uma forte relação com as famílias Montoya e Carlotto.

“Para mim foi como um grande acidente, com um antes e depois. Uma tragédia. Eu tive que repensar toda a minha relação com meus pais adotivos”.

O pianista de 39 anos decidiu, no entanto, prosseguir com a sua vida “agradável e tranquila” em Olavarría, com sua esposa Celeste e sua filha Lola, nascida em 2016. Também continua tendo contato com os seus pais adotivos.

– ‘Ferida aberta’ –

Os 124 netos identificados reagiram de formas diferentes às suas dramáticas histórias. “Muitos se afastaram dos que os criaram, outros continuaram a vê-los, outros militam, outros não”, diz o pianista.

Três netos investiram na vida política e se tornaram deputados, e uma neta é candidata.

Ignacio não pensou em mudar de nome. Com um sorriso, porém com postura firme, recusou o que os argentinos lhe sugeriram. “Guido é um personagem, uma construção coletiva”, analisa.

“De repente, as pessoas param de te chamar pelo seu nome e começam a chamar por um nome que você nunca tinha registrado. É violento. Ignacio é o nome sobre o qual fiz a construção da minha identidade”, conta.

Sua avó, Estella de Carlotto, o chama de “Pacho”, o apelido que lhe deram seus amigos. Ele aprendeu a chamá-la de avó.

“O que vai acontecer com essa luta quando não existirem mais as Avós? Suponho que continuará. É difícil imaginar o mundo das Avós sem as Avós, e muitas já faleceram. Muitas faleceram sem conhecer seu neto ou neta”, acrescenta.

Porém, “a luta das Avós continuará. Para cada neto há uma ferida que deve ser cicatrizada”, conclui.