Anunciado com veemência, o ataque de Donald Trump à Síria foi mais rápido do que se esperava. O bombardeio com 103 mísseis na sexta-feira 13 surpreendeu não só o inimigo como também os aliados. O objetivo era destruir centros de produção e estocagem de armas químicas em regiões próximas à capital síria, Damasco. “O mal e o ataque desprezível deixaram mães e pais, bebês e crianças se debatendo de dor e ofegando por ar. Essas não são as ações de um homem. Elas são crimes de um monstro”, afirmou Trump em pronunciamento na Casa Branca ao justificar a ação militar conjunta com Reino Unido e França. A Síria pediu sanções. Para o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, é preciso evitar quaisquer atos que possam piorar o sofrimento do povo. Ele pediu que os países do Conselho de Segurança da ONU se unam e demonstrem moderação com “circunstâncias perigosas”. Um discurso pouco incisivo que mostra a delicada situação de uma guerra que, a cada novo capítulo, parece estar mais longe do fim.

A confusão começa dentro do próprio governo Trump. No começo de abril, o presidente americano declarou que, se a missão dos EUA na Síria era se livrar do Estado Islâmico, o objetivo estava quase completo. Segundo a inteligência americana, porém, essa conquista ainda não é suficiente. Antes de ser demitido, em março, o ex-secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, disse que a atuação do país não tinha prazo determinado. Por não querer repetir erros de Barack Obama, as tropas dos EUA ficariam na Síria para evitar que o Estado Islâmico retomasse áreas ou que elas fossem ocupadas por iranianos ou pelo governo. A demissão de Tillerson mostra que Trump fará o que bem entender: se optar pela retirada das tropas, mesmo que impulsivamente, assim será.


Enquanto isso, Israel e Arábia Saudita nem pensam em sair da Síria. Pelo contrário, cogitam reforçar a ação no país. “O Estado Islâmico está perdendo terreno, sim, mas a Turquia está começando a ter um papel muito forte, o que traz à tona a dinâmica dos curdos, que tiveram avanços contra os extremistas”, afirma o professor do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Kai Michael Kenkel, também pesquisador do Instituto de Estudos Globais e Locais em Hamburgo, na Alemanha. O exército americano trabalha em conjunto com os curdos, ligados às Forças Democráticas Sírias (FDS). A saída das tropas enfraqueceria o grupo.

O que começou como um conflito de rebeldes contra o governo se tornou uma guerra que envolve diversos países, coalizões, aliados e inimigos

O que começou como um conflito civil de rebeldes contra o governo, há sete anos, cresceu e se tornou uma guerra envolvendo diversos países, coalizões, aliados e inimigos. Além de Reino Unido e França, que atacaram a Síria junto com os EUA, outros países do G7, grupo das sete maiores economias, se pronunciaram apoiando integralmente a defensiva. Canadá, Alemanha, Itália e Japão, além da União Europeia, consideraram o ataque proporcional e necessário. Afirmam ainda que “permanecem comprometidos com uma solução diplomática para o conflito na Síria”. Essa afirmação parece estar longe de ser verdadeira. O objetivo maior dos países é vencer politicamente o governo Assad e a Rússia, que o apoia. Em segundo plano, como consequência, está a resolução do conflito.

Atentados

Com a proporção que o confronto vem tomando, envolvendo cada vez mais grupos e nações, o medo de a guerra ficar ainda maior é real. O governo Assad não parece estar preocupado com as represálias americanas. Embora o ditador pague um alto preço pelo uso de armas químicas, a estratégia de lançar substâncias tóxicas sobre os inimigos, matando a própria população, é usada sistematicamente desde 2013 e não há garantia de que vá ser abolida por completo.

Da perspectiva geopolítica, a maior probabilidade é que o conflito aumente em escala global, o que já está acontecendo. No território sírio, os atentados e mortes devem continuar. Em se tratando de uma guerra que já matou mais de 400 mil pessoas e fez mais de cinco milhões de refugiados, a possibilidade de a situação seguir como está já é, por si só, uma tragédia.

PROTESTO Manifestação em frente ao parlamento britânico pelo fim dos bombardeios: população condena atentados (Crédito:Hannah McKay)