Estava faltando o presidente Jair Bolsonaro interferir na área dos esportes. Pois interferiu. E com uma capotada. Na quarta-feira 8, o mandatário assinou um termo de cooperação para a construção de um novo autódromo no Rio de Janeiro, no bairro de Deodoro, tirando o GP do Brasil de F-1 de São Paulo. O campeonato, que acontece desde 1990 no circuito de Interlagos, seria realizado a partir de 2020 no Rio de Janeiro, assim como a MotoGP. A iniciativa, como era previsível, despertou críticas e deu início a uma guerra entre os dois estados.

O GP do Brasil movimenta a economia. Só em 2018, o evento girou R$ 334 milhões. Além das cifras, por trás dessa disputa está o fato de que o Rio de Janeiro é reduto eleitoral do clã Bolsonaro. O próprio presidente foi deputado federal pelo Rio de Janeiro por 28 anos. Seu filho “zero um”, Flávio, é senador pelo estado. Já Carlos, o “zero dois”, é vereador da Câmara Municipal da cidade desde 2001. Do outro lado do cabo de guerra está São Paulo, consolidado como sede do campeonato e atualmente comandado pelo governador João Doria e pelo prefeito Bruno Covas, ambos do PSDB.

A primeira reação veio dos próprios governos estadual e municipal de São Paulo. Em nota conjunta, os mandatários afirmaram que seria impossível o Rio de Janeiro sediar o GP-Brasil no próximo ano, pois o contrato em vigor estabelece que a corrida será realizada no Autódromo de Interlagos em 2020. Além disso, desde novembro de 2018 há negociações para que o contrato seja renovado. “São Paulo ama a Fórmula 1, principalmente porque seu maior ídolo, Ayrton Senna, é de São Paulo”, disse o governador João Doria à ISTOÉ. Na segunda-feira 13, Covas reuniu deputados no Congresso para criar uma frente política em Brasília com o objetivo de manter a corrida em Interlagos. Na quarta-feira 15, a Câmara Municipal paulistana autorizou a Prefeitura a privatizar o autódromo. Respondeu a uma iniciativa de Covas, que para se contrapor à iniciativa pró-Rio mudou o projeto inicial de venda do circuito para concessão. Isso destravou o processo de privatização, que deve ser acelerado.

ÍCONE O Autódromo de Interlagos sediou grandes vitórias, como a do inglês Lewis Hamilton, que em 2018 levou o primeiro lugar do GP-Brasil. O prefeito da cidade de São Paulo, Bruno Covas, e o governador do Estado, João Doria (abaixo), em entrevista na sexta-feira 10: “fomos pegos de surpresa” (Crédito: Adriano Vizoni/Folhapress)

 

 

 

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As críticas vieram também de pessoas diretamente envolvidas na F-1. Tamas Rohony, promotor do GP do Brasil de F-1 e responsável pelo evento, foi claro: “o GP do Brasil não sai de São Paulo”. Rohony está há 40 anos no ramo e já realizou GPs em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, na década de 1980, e em países como Hungria e Portugal. “Essa história foi um erro a que Bolsonaro foi levado”, disse. Segundo ele, apenas para assinar os documentos com a Formula One Management, que possui os direitos comerciais do GP, e com a Federação Internacional de Automobilismo (FIA), são necessários 18 meses. Além disso, para realizar a prova são necessários mais US$ 50 milhões.

“São Paulo ama a Fórmula 1, principalmente porque seu maior ídolo, Ayrton Senna, é de São Paulo” João Doria, governador paulista

Dúvidas sobre o projeto

Diogo Moreira

A mudança também desperta dúvidas sobre o projeto e sua viabilidade econômica. Bolsonaro afirmou que a pista em Deodoro será construída em seis ou sete meses, mas especialistas experientes afirmam que o feito é impraticável, já que é preciso atender padrões rigorosos para sediar o campeonato. O terreno designado para ser sede do futuro circuito Ayrton Senna, cedido pelo Exército, está em uma área de manancial, com necessidade de inúmeras licenças e autorizações ambientais, o que leva tempo para se obter. Outros fatores também pesam, como os investimentos públicos que vêm sendo feitos em Interlagos desde que o espaço passou a sediar a corrida internacional. Desde 1990, mais de R$ 800 milhões foram investidos no autódromo paulistano — que era um dos preferidos de Senna. Para construir o novo circuito, seriam necessários R$ 850 milhões, recursos que, segundo Bolsonaro, viriam da iniciativa privada. É de se perguntar se a experiência recente com a Copa e a Olimpíada — que contribuíram para aumentar a dívida pública, geraram desperdício e obras faraônicas depois abandonadas ou subaproveitadas — deve ter um novo capítulo.

 


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