Os grandes líderes crescem em momentos tensos e decisivos, quanto se exige serenidade, firmeza e visão. A história política mundial é escrita assim. Mas isso é tudo o que não se viu no episódio lamentável protagonizado por Cid Gomes em Sobral, interior no Ceará, na quarta-feira, 19. O ex-governador e senador licenciado resolveu usar um método de cangaço para enfrentar PMs amotinados, que pressionavam por reajuste salarial ocupando ilegalmente um quartel da PM. O político investiu contra os grevistas e tentou derrubar o portão da guarnição pilotando uma retroescavadeira. Uma cena grotesca. Pior, foi contido a bala, atingido no peito por dois tiros de pistola, provavelmente desferidos a partir da concentração dos PMs mascarados e aliados que se aglomeravam do outro lado da cerca. O comando da PM do Ceará trata o caso, como deveria ser, considerando-o uma tentativa de homicídio.

O método do senador licenciado obviamente foi inapropriado, mas traduzia uma indignação justa. Algumas corporações militares trocaram a proteção à população, seu dever constitucional, pelo achaque sindicalista. No Ceará, há o registro de que homens encapuzados circularam pelo centro de Sobral ameaçando comerciantes com armas de fogo para fecharem seus estabelecimentos. Três policiais militares foram presos em flagrante por furarem pneus de viaturas em Fortaleza. Mais 261 policiais estão sendo investigados no estado por participação nessas ações. É contra esse tipo de movimento que o ex-governador tentou se insurgir — ainda que de forma destrambelhada. Em nota, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública se manifestou no tom apropriado contra os rebelados: “É condenável que viaturas policiais circulem com agentes mascarados aterrorizando a população e ordenando o fechamento de estabelecimentos comerciais”.

“É inacreditável que um senador lance mão de uma atitude insensata como essa, expondo militares e familiares a um risco desnecessário” Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal (Crédito:Reprodução)

Problema atinge 7 estados

Trata-se de uma escalada perigosa. O problema não se limita ao Ceará. Há demandas de reajustes salariais em pelo menos outros sete estados. Paraíba, Alagoas, Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina, entre outras unidades, lidam com a insatisfação crescente das forças de segurança. Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo-MG) concedeu um aumento de 41,7% para policiais e bombeiros, mesmo com as contas em frangalhos, para tentar conter a insatisfação. Foi uma atitude temerária, que não ajuda o seu discurso de que tenta remendar o rombo causado pelo antecessor — o Estado está quebrado pela irresponsabilidade fiscal petista. O PT, que sempre se beneficiou do retrocesso corporativista, agora prova do próprio veneno no Ceará — onde governa e tem como aliado exatamente do ex-governador Cid Gomes. Insuflar o levante enquanto descuida das contas públicas é uma operação em que todos perdem — e a população paga a conta.

Infladas pela retórica presidencial, que as privilegia e estimula, as corporações militares extrapolam suas prerrogativas e testam os limites democráticos. Elas têm se sentido mais fortes do que nunca sob Jair Bolsonaro. Elegeram diversos líderes no Congresso, que, em grande parte, ainda sustentam o presidente— ele mesmo um egresso do baixo clero que fez carreira na Câmara justamente defendendo as causas da “bancada da bala”. Depois do atentado em Sobral, mostrando que o entorno presidencial mais incentiva do que resolve o motim, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) postou em uma rede social que Cid Gomes não teve “o mínimo de inteligência” para lidar com os grevistas. Depois, apagou a mensagem. Em resposta, o ex-candidato presidencial Ciro Gomes, irmão de Cid, revidou: “será necessário que nos matem mesmo antes de permitirmos que milícias controlem o estado do Ceará como os canalhas de sua família fizeram com o Rio e Janeiro”.

Cid Gomes, felizmente, passa bem e já deixou a UTI do Hospital do Coração de Sobral, sendo transferindo para um hospital de Fortaleza. Mas as cicatrizes do episódio permanecerão e exigirão das autoridades grandeza e ordem — atributos que, ironicamente, estão faltando justamente nas forças que deveriam garanti-las. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, autorizou no mesmo dia o envio da Força Nacional de Segurança Pública ao Ceará. Que, em seguida, se restabeleçam o diálogo e o bom senso.